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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A mão da 5ª assinatura

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 27 de dezembro de 2010:

Um dos vereadores da Câmara Municipal assim analisou, perto da meia-noite do último dia 20, a situação inédita do adiamento da votação que elegeria a Mesa Diretora da Casa e a ampliação do bloco oposicionista: “Estamos fazendo história”.

Pode ter durado uma noite apenas – deu a lógica no dia seguinte, com a vitória de Elza Tank –, mas os efeitos desse processo eletivo vão ressoar muito pelos próximos dois anos.

Eliseu Daniel dos Santos, que já lançou seu nome para a disputa do Edifício Prada em 2012, falou em um projeto oposicionista que terá continuidade – ao lado de Ronei Martins, Paulo Hadich, Mário Botion e Miguel Lombardi.

Há pouco tempo, quando ainda era aliado ao prefeito Sílvio Félix, o atual presidente da Câmara teve discussões homéricas em plenário com Hadich e Ronei, em defesa de projetos do Executivo.

Mas, na política, tudo passa e bastam interesses comuns para que todos bebam no mesmo copo e as palavras sejam relegadas ao esquecimento.

Fato é que, ao juntar-se à oposição, Eliseu se torna um novo fiel da balança no jogo de forças da Câmara, função que nos últimos anos coube ao hoje vereador afastado pela Justiça, acusado de corrupção, César Cortez (PV).

Explico: em torno de um projeto que passava pelas eleições deste ano e, principalmente, a disputa pela Prefeitura daqui a dois anos, Cortez tinha uma postura mais oscilante que barco no mar. Ora ameaçava votar com a oposição, ora com a situação.

Cortez ficou célebre ao dizer que seria o quinto a assinar se houvesse outras quatro assinaturas para a CPI dos Fantasmas – quando viu, a apuração fora instalada, tornando-o irrelevante.

Foi dele o voto decisivo para que, em 2007, a CPI que investigaria a SP Alimentação não fosse instaurada. O escândalo da merenda veio e varreu Cortez e suas pretensões políticas.

Com cinco assinaturas, cria-se uma CPI na Câmara, que é uma forma de desgaste ao Executivo.

Magoado com Félix, a quem acusa de não o ter apoiado suficientemente na eleição de outubro último, Eliseu pode dar o troco, sendo a mão da quinta assinatura de todas as CPIs que podem surgir.

Mas ele pode também forçar uma situação para que seja escolhido o candidato de seu partido atual, o PDT – se Eliseu deixar a agremiação em busca de outra, visando 2012, pode ser questionado na Justiça e perder o cargo de vereador, uma péssima ideia.

Se Eliseu será como barco no mar, só o futuro e as ondas da política dirão.

* A coluna deseja a todos os leitores um excelente 2011

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Contra escárnios e abusos

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 20 de dezembro de 2010:

Difícil entender o que mobiliza o cidadão brasileiro.

Acaba de ser aprovado pelo Congresso Nacional um decreto legislativo que aumenta os salários dos deputados, senadores, ministros de Estado, presidente e vice-presidente.

Nossos legisladores se deram um espetacular reajuste de 62% na véspera do Natal. Deixarão de ganhar R$ 16,5 mil para receberem R$ 26,7 mil mensais.

Trata-se de um evidente escárnio aos brasileiros, planejado para ser votado exatamente na época em que os brasileiros menos pensam em coisas complexas, ansiosos que estão pela chegada do período de festas e do fim do ano.

Levantamento feito pela BBC mostra que, com o aumento, os congressistas brasileiros passarão a ganhar 8% a mais que os equivalentes norte-americanos e 84% a mais que os representantes do povo britânico no Parlamento local.

Ganharão, portanto, mais que os parlamentares de países desenvolvidos, o que permite que cobremos atuação de representantes de primeiro mundo – entendam este último raciocínio como um devaneio solitário.

Onde estão as entidades de classe e representativas da sociedade? A outrora combativa União Nacional dos Estudantes (UNE), que acaba de receber R$ 30 milhões de indenização da União por ter sua sede destruída pela ditadura militar no golpe de 1964, nada a dizer sobre o ato dos congressistas?

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), importante entidade nacional, não vai questionar a moralidade desse reajuste?

E você, caro leitor, já sabe quem votou a favor ou contra o reajuste? Se não sabe, aconselho o site www.congressoemfoco.com.br, que traz a relação dos parlamentares que aprovaram e dos que rejeitaram a proposta.

Com a dúvida que levantei no início, deixo uma questão: quando a população começará a cobrar efetivamente, no mínimo, mais respeito de seus governantes para com a administração dos recursos que ela os oferece?

Todo início de legislatura, ou de qualquer governo, é uma época propícia a essa atitude.

Para que exerçamos nossa cidadania, não basta, ao encontrarmos nossos representantes nas ruas, ou de quatro em quatro anos em visitas pré-eleitorais, os receber com aperto de mãos.

Boa memória, senso de fiscalização, coragem para cobrá-los e, principalmente, lembrá-los de que estão lá para defender os interesses públicos e coletivos, são produtivas ferramentas para o início de uma mobilização consciente e cidadã contra escárnios e abusos.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O mundo como ele é

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 13 de dezembro de 2010:

Ser sincero é uma virtude. Mas ninguém é 100% sincero o tempo todo.

Isso não é uma característica ruim, mas contingente, altamente necessária e inevitável quando temos, como ponto de partida, as causas que dão origem a este comportamento.

Aquele evento que não foi o que você esperava, por exemplo. Você fala consigo mesmo ou, na necessidade de compartilhar essa impressão, aborda-a casualmente num comentário com terceiros. Longe de quem promoveu o evento.

É apenas um sentimento externado que não fica bem torná-lo público ou estendê-lo a mais pessoas.

Fazemos isso direto, muitas vezes sem perceber. Quando fica em nossa mente, é só um pensamento; quando sai pela boca, vira fofoca; quando se torna público, transforma-se em algo constrangedor.

Vejam que o “problema” não está na essência do comentário, mas na dimensão que ele toma.

Há vários exemplos rotineiros em nosso cotidiano de nossa insinceridade.

De noite, você esbraveja quando o barulho do vizinho passa dos limites e incomoda. No dia seguinte, deseja-lhe bom dia e comenta as notícias de última hora.

Isso é viver em sociedade. Interpretamos diferentes papéis nas comunidades em que vivemos.

Temos, em essência, apenas uma personalidade, mas, por força da ocasião, adotamos atitudes diplomáticas que muitas vezes nos forçam a um comportamento que não expressa o que realmente sentimos. Isso não é ser farsante, mas, no fundo, tolerante e sociável.

Quando o WikiLeaks, site que vazou documentos secretos norte-americanos, revela que, para os EUA, o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, é fraco, displicente, ineficiente e gosta de festas selvagens, ou que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, exibe “olhos de assassino” quando se refere à Chechênia, por mais constrangedor que seja, desnuda impressões reais.

Como disse o professor Matias Spektor, da FGV, “mostra que o mundo não é feito de branco e preto, mas de tons de cinza”.

Por mais discutíveis que sejam os métodos como obtém os dados, o WikiLeaks revela o preço que se paga quando se é sincero demais – os EUA, agora, correm para apagar os “incêndios” diplomáticos.

O que foi revelado é o mundo como ele é, nas palavras do fundador do site, Julian Assange.

E reforça, acima de tudo, uma frase atribuída ao escritor Oscar Wilde: “Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal”.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quem foi o prejudicado?

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 6 de dezembro de 2010:

Nem tudo que é legal é, necessariamente, ético.

Quando a Câmara, representante do povo, recorreu para devolver o mandato ao vereador afastado pela Justiça, César Cortez (PV), e desbloquear os bens dele, sabia que podia - como ocorreu - beneficiar uma empresa investigada pelos próprios vereadores.

Quem fez o recurso sabia, mas quem o assinou não, ou, serei prudente, não imaginou nem foi avisado.

Cortez tem condições mais que suficientes para se defender sozinho e, como maior atingido pela medida judicial, assim o fez.

Seu recurso é público, qualquer cidadão pode consultá-lo. O da Câmara, que por ser instituição pública deveria prezar pelo princípio da publicidade, é inacessível.

O Legislativo usou dados fiscais de Cortez para tornar sua defesa a única não disponível à população (segredo de Justiça). O maior interessado não usou dados sigilosos, mas a Câmara, representante da sociedade, usou. Por quê?

Diferentemente do que foi dito para a Rádio Mix, o mandato do vereador não é da Câmara, nem a instituição foi prejudicada com o afastamento de Cortez.

O mandato pertence ao partido político, já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, por isso, quem sair sem justa causa de uma agremiação pode perder a vaga.

Nem o partido de Cortez nem a Câmara foram prejudicados porque a suplente Iraciara Bassetto assumiu de forma legítima, mantendo a vaga do PV.

O contrário disso significa uma “agressão” aos eleitores que deram votos suficientes para Iraciara, e a lei e a ordem proporcionam a ela, atualmente, legislar como representante eleita.

Na ação do MP, contra a Câmara está o único pedido, feito para ser apreciado no julgamento final do juiz, para anular a comissão que arquivou a investigação do contrato da merenda, suspeita de ter sido manchada por um ato de corrupção.

No pedido de liminar, contra o qual o Legislativo recorreu, não há nada contra a instituição.

Se a liminar não possui nada contra a Câmara, por que ela precisa recorrer nessa fase inicial do processo?

Se a Câmara precisa defender todo vereador atingido, Mário Botion, que denunciou à polícia ter sofrido desacato no exercício do cargo, deveria ser defendido pela Câmara. Mas, se o acusado é o advogado da própria instituição, como fica?

Os resultados da eleição de outubro e o clamor pela CPI eram suficientes para a Câmara, ou quem responde por ela, pensar duas vezes antes de uma medida como a tomada pela instituição.

A Câmara é formada por representantes eleitos pelo povo e, se alguém foi prejudicado nessa história, foi o eleitor, este cidadão e contribuinte que a sustenta.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Faces da ausência do Estado

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 29 de novembro de 2010:

“Hoje, com certeza, a Vila Cruzeiro pertence ao Estado”, dizia na última quinta-feira o subchefe operacional da Polícia Civil do Rio, Rodrigo de Oliveira. Na mesma data, o secretário de Segurança Pública local, José Mariano Beltrame, dava o tamanho da dimensão da fuga em massa dos traficantes exibida ao vivo pela TV. “Os problemas não são só do Rio de Janeiro, mas de um país que tem uma série de episódios internacionais pela frente”.

Comentar segurança pública longe do front é complicado para nós, jornalistas, mas estas duas frases chamam a atenção em meio ao debate público que se instalou após o Estado do Rio decidir confrontar os traficantes que dominam os morros há décadas.

Quanto à primeira, cabe um lembrete: em 2008, o Bope, unidade que ganhou o País no filme “Tropa de Elite”, ocupou a favela da Vila Cruzeiro, estendendo até sua bandeira como demonstração de que havia superado o tráfico.

Nesses dois anos, o que mais o Estado fez para combater o tráfico local, além dessa ação pontual? Esse bairro especificamente não possui Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), política alardeada pelo governo Sérgio Cabral, por... falta de efetivo.

Sem policiais, a Vila Cruzeiro concentrou as lideranças do crime do Rio, e virou o barril de pólvora que vemos atualmente. Para combater o tráfico, ações policiais não bastam; o Estado tem de prover assistência em oportunidades, lazer, cultura, ações de cidadania, em conjunto com a sociedade civil.

Quanto à nacionalização do problema: em 2006, quando o Estado de São Paulo foi acuado pela facção Primeiro Comando da Capital (PCC), não ouvíamos este discurso “amplo”. Todos os Estados têm problemas de segurança, e são os respectivos governos responsáveis pelas políticas na área.

Assim como o PCC cresceu junto com a falência do sistema penitenciário paulista, o tráfico nos morros cariocas se avolumou por absoluta ausência do Estado local - em alguns casos, também por conivência ou complacência.

Os “episódios internacionais” citados por Beltrame (Copa do Mundo em 2014 e Olimpíada dois anos depois) são chances para modificações profundas no País, mas a construção de uma cidade ou país seguro passa necessariamente por ações diárias localizadas, com presença constante - e protagonista - do Estado. Ocupar a Vila Cruzeiro, ou qualquer outro reduto do tráfico no País, de dois em dois anos, definitivamente, não vai resolver.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Constrangimento injusto

A invasão na sede do Centro de Promoção Social Municipal (Ceprosom) na madrugada de terça-feira passada, a 3ª ocorrida neste ano, expôs mais uma vez a precariedade na infraestrutura da corporação responsável em zelar pelos prédios municipais.

Siddhartha Carneiro Leão é um dos poucos secretários que estão à frente de suas pastas desde o início do governo Sílvio Félix, em 2005.

Delegado com importantes trabalhos executados na Polícia Civil, ele foi chamado para comandar a Guarda Municipal, e sua gestão transformou a corporação numa força de segurança atuante, que dá ajuda substanciosa à Polícia Militar.

Quando soube pela repórter Renata Reis do novo arrombamento, o secretário tentou reagir, mas a fala de um subordinado foi captada pela jornalista. “Não tem de onde tirar guarda, doutor”.

Há um déficit semanal de 30 GMs por causa de exames de porte de arma, mas deixar uma autarquia municipal, que já fora assaltada duas vezes, descoberta na madrugada de um feriado, é inadmissível.

Não é de hoje que a GM é foco de críticas. Nos últimos 2 meses, reportagens deste jornal mostraram viaturas sucateadas, outras paradas em oficinas sem previsão de manutenção, algumas nas ruas com pneus “carecas”, peças de painel destruídas e assentos soltos.

Um guarda resumiu bem o que é e não é prioridade na Prefeitura: “Tem requerimento de R$ 200 que o prefeito barra para a GM, mas de R$ 2 mil que ele libera para outras secretarias”.

Não era para ser assim. Em 2007, a Prefeitura obteve do governo federal verbas para um programa de segurança municipal, focado na GM. Agora, a Polícia Federal quer saber se o dinheiro foi aplicado onde deveria ter sido, investigação que desgastará, mais uma vez, a corporação que deveria ser motivo de orgulho para Limeira.

Sem dinheiro? O orçamento para 2011 cresceu 37% e está quase na casa dos R$ 600 milhões, afora o fato de que Félix quer, ainda, obter empréstimos financeiros no exterior. Não é o caso.

Gestores e agentes dispostos a fazer um trabalho que dignifique a Guarda Municipal não são problemas.

O que falta é o alto escalão da Prefeitura dar, à Secretaria de Segurança Municipal, a prioridade que o órgão merece por ter conquistado, ao longo dos últimos anos, importância que o desautorize a passar por tantos constrangimentos injustos e evitáveis.

Para ver

A rua estava estranhamente deserta quando saí de casa.

Naquela época, tínhamos permissão da Prefeitura para fechar, com cavaletes, os limites do quarteirão, o que proporcionava, nos fins de semana, a presença de várias pessoas na rua. Mas o dia estava esquisito, ninguém saía de frente da televisão.

“Estragou meu domingo”, disse-me o único vizinho com quem troquei palavras, antes de voltar para casa e ouvir o fato do qual ninguém queria tomar conhecimento e que o repórter Roberto Cabrini jamais pensou em noticiar.

No dia seguinte, a professora avisou, logo pela manhã, no início da aula, que a escola dispensaria todos mais cedo.

Para nós, moleques de 10 anos, sair antes do horário era uma alegria, aproveitávamos o tempo para uma disputa de bolinha de gude ou qualquer outro passatempo.

Mas, naquela ocasião, todos queriam ver um enterro. A brincadeira foi trocada por um sepultamento ao vivo pela televisão.

E quando o carro dos bombeiros atravessou São Paulo levando o corpo de Ayrton Senna sob aplausos e reverência dos brasileiros, o silêncio das ruas de Limeira e do País indicava que todos pararam para, em espírito, despedir-se.

Depois de Senna, nenhum outro piloto morreu nas pistas de Fórmula-1. Como, bem ressaltado pelo jornalista André Fontenelle (Revista Época), se isso fosse seu último legado ao esporte que amava: a morte dele serviu para que o mundo automobilístico tomasse medidas de segurança mais efetivas.

A saída de cena repentina e precoce de Senna não mudou apenas os sistemas de proteção aos pilotos. Indireta e infelizmente, tornou o esporte mais chato. Encerrou um tempo marcado por pilotos que, antes de tudo, eram esportistas e acreditavam que o esporte, por meio de exemplos, é um reflexo da vida e, assim, influencia as pessoas.

Numa época em que interesses e jogos de equipe fazem o torcedor ver seu piloto favorito entregar vitória a outro a poucos metros da bandeirada final, é fantástico rever o vídeo do Grande Prêmio do Japão de 1991, em que Senna, já campeão, na reta final abre espaço para o companheiro Gerhard Berger vencer pela primeira vez com a equipe McLaren.

Por isso, o documentário “Senna”, que estreou sexta-feira em todo o País, é uma oportunidade imperdível para se conhecer ou lembrar a trajetória de um piloto que, passados 16 anos de sua morte, permanece como um exemplo raro de que o esporte mobiliza e sensibiliza as pessoas.


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Que sejam 1.038 exemplos

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 8 de novembro de 2010:

Em 2005, escrevi, ainda no período da faculdade, um artigo (www.iscafaculdades.com.br/nucom/comentario_15.htm) sobre o início da popularidade dos blogs como plataforma de comunicação.

Na ocasião, os jornais avaliavam a viabilidade dessa ferramenta. Naquela época, uma questão intrigante era a instantaneidade da informação lançada na rede pelo autor do blog, misturada às percepções do transmissor, também passadas diretas aos leitores.

Hoje, o blog é uma realidade consolidada e, mais que usado com meio informativo, permitiu a expansão da liberdade de expressão. Qualquer pessoa pode criar seu blog e nele escrever sua opinião sobre tudo.

Cinco anos depois, uma outra ferramenta se popularizou, o Twitter, que se caracteriza pelas mensagens curtas e sintetizadas. Como o blog, qualquer pessoa pode criar um perfil no Twitter e nele escrever o que quiser, sobre qualquer tema, a qualquer hora e havendo rede de internet disponível.

A possibilidade de qualquer pessoa transmitir informação e emitir sua opinião para milhares de outras via internet é tida por muitos como mais uma conquista de liberdade de expressão.

Porém, como toda nova ferramenta propiciada pelo avanço da tecnologia, novas preocupações surgem. Após a confirmação da vitória de Dilma Rousseff, uma estudande de Direito postou a seguinte mensagem no Twitter: "Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado" - Dilma teve vitória folgada sobre José Serra na Região Nordeste.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco ingressou notícia-crime contra a estudante, por crimes de racismo e incitação pública.

A ONG SaferNet já identificou e encaminhou ao Ministério Público Federal outros 1.037 perfis de usuários no Twitter que postaram mensagens de ofensas a nordestinos.

No ambiente da internet, em que a informação se propaga em velocidade, o cuidado em veicular um dado ou opinião deve ser redobrado, e esta discussão tem que estar presente nas escolas e nas casas.

A ideia de que a web é um território sem leis há muito está se desvanecendo. No caso em questão, a Polícia Civil em São Paulo já abriu inquérito para apurar casos de racismo nas mensagens, crime que, pela Constituição Federal, é inafiançável e imprescritível.

As reações das autoridades diante desta repugnante onda de ofensas podem ser determinantes para que novos paradigmas sejam estabelecidos no combate aos crimes cibernéticos.

Uma ampla investigação desses 1.038 perfis de usuários deve servir de exemplo para que todos pensem na responsabilidade do que escrevem e levam ao público na internet.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Às crianças de ontem, hoje e amanhã

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 1º de novembro de 2010:

Monteiro Lobato escreveu, num texto autobiográfico, que perdeu muito tempo escrevendo para gente grande.

Hoje, 77 anos depois, essa mesma gente grande considera inadequada a obra “Caçadas de Pedrinho”, um clássico da literatura infantil, e quer proibi-la de ser abordada nas salas de aula, por entender que há passagens que estereotipam o negro e o universo africano. Isso estimula o racismo, acredita o Conselho Nacional de Educação (CNE).

Trata-se de uma carolice descabida.

Repudio qualquer demonstração de intolerância racial, mas é preciso contextualizar a obra, a época e o público ao qual se destina a fantasia de Lobato.

Quando pequeno, “devorei” as histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, assim como milhões de pessoas o fizeram na infância.

Nem por isso tornei-me intolerante. Histórias em quadrinhos também fizeram parte minha infância, em que heróis matavam pessoas do mal após batalhas cruéis, com direito a muito sangue derramado. Vai ser proposto também o recolhimento de gibis das bancas sob alegação de mau exemplo às crianças?

Um dos temores de nosso “Nobre Conselho” é de que professores despreparados não saibam abordar o conteúdo de “Caçadas de Pedrinho” - engraçado constatar, para ficar num só exemplo, que não há rebeldia do órgão contra o fato de professores eventuais em São Paulo trabalharem meses sem ver a cor do dinheiro.

Preocupação extremamente válida, mas é preciso, primeiro, perguntar aos mestres se eles estão recomendando a literatura de Lobato nas salas de aula.

Volto a um exemplo pessoal. Descobri a obra do escritor em casa, por influência de pessoas de minha família. Não me lembro de ter tido um professor que abordasse na classe qualquer livro de Lobato.

Pior que isso e que deveria ser analisado pelo “Nobre Conselho”: não li toda a saga de Pirlimpimpim porque a biblioteca da escola onde estudava tinha poucos livros de Lobato.

Não caberia, antes de proibir um livro, determinar uma ampla auditoria para verificar como estão as bibliotecas públicas do País, se elas têm as obras e desenvolvem trabalhos educativos aos estudantes?

Aposto que essa fiscalização renderia vários itens a serem debatidos pelos conselheiros, muito mais importantes que a implicância com a descrição de Tia Nastácia.

No reino do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Dona Benta foi descrita por Lobato como uma rainha que permite liberdade absoluta aos seus súditos, que também governam.

Narizinho e Pedrinho são as crianças de ontem, de hoje e amanhã.

Lá, sempre foram possíveis viagens à Antiga Grécia, à Lua, à Via Láctea, a Hollywood, ao País da Gramática.

No lugar em que a boneca falante dá lições, as porteiras deveriam ser fechadas para os adultos politicamente corretos que veem, na proibição, a fuga mais fácil ante a difícil e honrosa tarefa de educar.

Proibir é coisa de gente grande; prefiro escrever para os que, mesmo adultos, não perderam o espírito de encantamento que toda criança tem e muito menos capacidade de imaginação que dá criatividade para fazermos algo novo a cada dia.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Quando a vitória é de todos

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 25 de outubro de 2010:

Numa conversa na semana passada com um experiente funcionário público que trabalha há décadas na Prefeitura de Limeira, ouvi uma rápida manifestação, feita até em tom de desabafo, a respeito das relações de jornalistas, poder público e sociedade. “Atualmente, não há como fazer uma política pública com sucesso se não houver participação de toda a sociedade e seus segmentos, incluindo a imprensa”, disse-me.

Concordei com a ideia e, coincidentemente, adiantei a ele um exemplo que tínhamos levantado na semana passada.

O governo federal e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil mencionaram, em importante publicação, o trabalho feito em Limeira para combater o trabalho infantil, especialmente no setor de joias, como uma referência de boa prática na área de saúde.

Para quem não se lembra, o drama das crianças limeirenses começou a ter repercussão nacional após o jornal O Estado de São Paulo publicar uma reportagem sobre o assunto.

A partir disso, o Ministério Público do Trabalho iniciou um trabalho no município e suas ações foram amplamente divulgadas pela imprensa local.

O plano culminou na criação de uma rede municipal que capacitou as pessoas para identificar e combater rapidamente a exploração infantil tão logo identificada.

Há muito ainda o que fazer, mas a citação como exemplo feita pelo governo e a OIT deve ser bastante comemorada por todos os que integram essa rede municipal.

Não é uma vitória da Procuradoria, da Prefeitura ou da imprensa que revelou a situação, acompanhou e divulgou as ações, mas sim do Município de Limeira.

O exemplo da ação contra o trabalho infantil deve ser refletida pelos limeirenses, e as chances de um panorama alarmante ser mudado são grandes.

Exemplo disso é o drama, revelado pela Gazeta na sexta-feira, de uma escola estadual cuja direção pediu intervenção da Justiça para conter a rebeldia dos alunos.

A atuação dos agentes da Vara da Infância e Juventude já começou, mas vai incluir pais, professores, Guarda Municipal e Conselho Tutelar para uma resolução conjunta.

Ao tornar público o caso, a imprensa não tem o objetivo de estigmatizar a escola, mas apontar o problema e cobrar soluções. E, tão logo os resultados começarem a surgir, será uma satisfação voltar ao local e divulgar o que foi feito e, tomara, solucionado o drama.

Limeira é uma cidade dotada de órgãos capazes para atuar, de forma conjunta, com o objetivo de diminuir os dramas sociais.

Falta, apenas, reforçar a identificação dessas vulnerabilidades e alguém tomar a iniciativa de propor as redes.

Isso é papel, principalmente, do Poder Público municipal, mas pode ser de qualquer segmento da sociedade.

A vitória, no final, não é de um governante ou de uma instituição, mas de todos, como bem mostra o excelente projeto contra o trabalho infantil.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Os efeitos do estrelismo

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 18 de outubro de 2010:

Cinco anos de mandato, incluindo 118 mil votos capitalizados quando se reelegeu em 2008, com votação histórica, não foram suficientes para o prefeito Sílvio Félix controlar uma de suas características como administrador público: excessiva centralização de ações.

Dois anos restando para encerrar sua passagem pelo Edifício Prada, ele começa a sentir os efeitos políticos de seu estrelismo.

Para exemplificar quão centralizador Félix é: para fazer a tradicional edição especial de aniversário do município em setembro, além da costumeira entrevista com o prefeito em exercício, a Gazeta planejou ouvir secretários de diversas áreas para traçar uma expectativa de panorama para os próximos 10 anos.

Na área de transportes, o secretário Rodrigo Oliveira não falou; Félix deu entrevista.

Quando procurada pela reportagem, a secretária de Planejamento, Ana Cristina Machado, temeu a entrevista, e a Prefeitura informou que Félix queria falar por ela.

Tive que, gentilmente, recusar o pedido, dizendo à assessoria de Félix que o aniversário era de Limeira, e não do prefeito.

O rompimento político com Félix anunciado pelo presidente da Câmara, Eliseu Daniel dos Santos, passa pelo projeto pessoal do segundo, tendo em vista as eleições de 2012 e sua vontade, antiga, de ser prefeito, mas traz embutido o comportamento centralizador do primeiro.

Félix, de fato, tinha, e buscou por todos os meios, só um único objetivo nas urnas neste ano: eleger a esposa, Constância.

Para isso, ignorou Eliseu na reta final e deu demonstrações de apoio a uma candidata de fora, Aline Correa.

Foi o fator determinante para Eliseu “abandonar o barco” de Félix.

Nos últimos dois anos, a atuação do deputado estadual Otoniel Lima foi ofuscada o quanto possível por Félix - inicialmente, ele concorreria com Constância a uma vaga na Assembleia.

Quando a região da Ponte Preta sofreu rachaduras e foi interditada às pressas em 2009, Otoniel buscou ajuda e trouxe a Defesa Civil do Estado para avaliar e auxiliar financeiramente na recuperação imediata.

Félix não deu bola para a ajuda de Otoniel e da Defesa Civil, e o caso se arrastou por meses.

Otoniel se elegeu deputado federal, e não houve uma única manifestação pública de Félix de parabenização por isso, nem mesmo um simples telefonema diplomático.

Como também não houve demonstração pública de apoio a César Cortez, que foi seu aliado em muitas ocasiões, e até agora o único a sofrer desgaste político visível com o caso da merenda, ao ser denunciado à Justiça por corrupção.

Vereadores que sempre foram aliados do prefeito começam a ensaiar mudança de comportamento.

Raul Nilsen, por exemplo, tinha vontade de integrar a CPI da Merenda, mas foi atropelado pela tropa de choque convocada por Félix para assumir o comando das investigações.

Piuí pode voltar à bancada oposicionista.

Assim, Félix começa a pagar o preço político por querer ser o centro das atenções em tudo: a perda de aliados.

E como seria a administração pública de Limeira nos próximos 2 anos com um prefeito desgastado politicamente?

Só torço para que isso não “engesse” a administração pública mais que o perfil centralizador de Félix.

domingo, 17 de outubro de 2010

Debate vazio

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 11 de outubro de 2010:

A votação surpreendente de Marina Silva, suficiente para levar o pleito presidenciável ao segundo turno, é o exemplo mais bem acabado de uma disputa que cansou os eleitores pela ausência de propostas.

Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) chegam à segunda fase sem brilho.

A primeira, porque seu partido “colocou a carroça na frente dos bois”, esperava demais comemorar a vitória no primeiro turno – a frustração é admitida pelos dirigentes petistas.

O segundo, porque não avançou ao segundo turno por conta própria – deve agradecer os eleitores de Marina eternamente.

O crescimento da “onda verde” nos últimos dias, fenômeno que não foi captado pelas pesquisas de intenção de voto, já teve diversas explicações de especialistas, mas parcela expressiva de contribuição, acredito, teve o último debate, na TV Globo, no qual Dilma e Serra se mostraram apáticos para se confrontarem.

Propostas bem trabalhadas, então, nem pensar! Irritado com os dois, o eleitor indeciso, ou que ainda não tinha o voto consolidado, optou por uma terceira via, no caso, Marina.

A ausência de um debate sério, agora, exige um preço alto para os dois. Não obstante, um assunto que requer discussão legítima e sensata, como o caso do aborto, delicado para se discutir num país de características conservadoras, está sendo jogado em meio à campanha eleitoral de forma equivocada.

Tucanos entendem que uma suposta indecisão por parte do programa do partido de Dilma a respeito da descriminação do aborto é motivo para tachar a petista de ser favorável ao ato.

Militantes se incumbem de espalhar, via internet, uma parafernália de mensagens tendenciosas.

Aí, num exemplo anticidadania, bispos católicos usam sua influência para pregar o voto contra Dilma, como se a única exigência para ser presidente é ser contra o aborto (e ela diz que é), ignorando o debate sobre educação, desenvolvimento, meio ambiente e todas as demais áreas.

Do outro lado, Dilma e o PT vão ressuscitar um tema já batido, as privatizações, utilizado por Lula para atropelar Alckmin em 2006.

Se a ida para o segundo turno, motivada por Marina, foi um pedido do brasileiro para um debate melhor, os candidatos e seus respectivos partidos que ainda estão na disputa pelo comando do País, com auxílio de diversos setores da sociedade, estão pertos de convencer o brasileiro a “emendar” o feriadão de Finados.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A fazer, sem desculpas

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 4 de outubro de 2010:

De uma coisa o prefeito Sílvio Félix não terá do que reclamar em 2011. Limeira terá um “senhor” orçamento no próximo ano, conforme protocolado na última semana na Câmara Municipal.

A peça orçamentária é de R$ 599,5 bilhões, superando todas as expectativas de arrecadação esperadas depois da retomada da economia após os efeitos da crise econômica que, ironicamente, chegou a obrigar Félix a reduzir expediente para conter gastos.

Para o leitor ter uma ideia: em 2008, o orçamento limeirense era de R$ 374,6 milhões. Em três anos, o aumento de recursos disponíveis é de 60%, crescimento significativo considerando que, no período, houve uma crise de efeitos mundiais comparada à Grande Depressão.

Outro fator que devemos levar em conta: com 95% da contagem já feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população recenseada de Limeira, até o último sábado, era de 266.790, o que dá um banho de água fria para quem supunha que o município havia superado a marca de 300 mil habitantes - a última estimativa do IBGE, referência oficial que a Prefeitura adota, era de 281 mil moradores em 2009.

Ou seja, a continuar neste ritmo, a administração pública municipal terá muito mais dinheiro em caixa para gastar em 2011 em benefício de menos pessoas do que se esperava.

Diante desta nova realidade, a desculpas eterna de falta de recursos não vai colar mais. Fica sem sentido, por exemplo, não haver guardas municipais suficientes para manter a base de vigilância na Rodoviária, onde passam 48 mil pessoas por mês e hoje sofre com onda de vandalismo, como a Gazeta mostrou sábado.

Na área de segurança, aliás, está um dos pontos falhos do orçamento de Félix. Os guardas municipais hoje trabalham, muitas vezes, com recursos precários, materiais do dia a dia, como uniformes e viaturas, além do salário, descontentamento que até gerou greve e mal-estar na corporação. Inexplicavelmente, o orçamento na área foi o único que caiu, e significativamente (16%).

Outro ponto que precisa ser reforçado é o setor de fiscalização da Prefeitura. As leis aprovadas pela Câmara Municipal são, em sua esmagadora maioria, inócuas porque faltam pessoas e recursos no monitoramento.

A área de esportes terá R$ 7,6 milhões disponíveis, 13% a mais que neste ano. Dinheiro suficiente para investir muito mais em construção de praças esportivas do que se faz hoje, além do apoio a quem já se empenha na área.

Quando uma prefeitura coloca a pasta de Negócios Jurídicos com orçamento superior à da Agricultura, Meio Ambiente, Planejamento e Esportes, é sinal de que recursos não estão em falta. Então, Félix tem que começar a fazer, sem desculpas. Os cuidados mais simples de que Limeira precisa demandam pouco perto do que a Prefeitura tem para gastar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O real perigo

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 27 de setembro de 2010:

O Brasil político, que acordará na próxima segunda-feira, terá muitas coisas sobre em que debruçar e pensar.

Se os resultados das últimas pesquisas forem confirmados nas urnas, a candidata da situação terá, além da possibilidade de prolongar um modelo de governo por, no mínimo, mais 4 anos, com chance de outros 4 - se Lula voltar, em tese em 2018, chegaria até 2026? -, um Congresso dos sonhos.

As duas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado, que têm como função, entre outras, fiscalizar o Executivo, serão formadas em sua maioria por aliados.

Nem mesmo o presidente Lula, político cuja popularidade será ainda bastante explicada nos livros de história, teve tantos aliados como Dilma Rousseff pode ter.

Para o Executivo, é um mar de rosas. Impõe a agenda que quer, do modo que escolhe. Mas será que isso é bom para a sociedade?

Nas últimas duas décadas, PT e PSDB se tornaram o Fla x Flu da política. Por culpa do fisiologismo, todos os demais partidos se enfraqueceram ideologicamente, e a maioria sempre esteve do lado de quem está no poder.

O risco de termos apenas duas correntes predominantes é que o objetivo de uma se torna, necessariamente, derrubar a outra.

O PT fez isso quando esteve na oposição e saiu às ruas clamando o “Fora FHC” a qualquer pequena crise que o governo enfrentava.

A oposição atual teve seu ápice na época do mensalão.

De um lado, o presidente de um ex-partido (PFL) dizendo que “estaríamos livres dessa raça (petistas) por 30 anos”. Do outro, mais recentemente, Lula falando que “é preciso extirpar o DEM (ex-PFL) da política”.

Um cenário róseo pretendido por um governo pode descambar para a subserviência patética.

O cenário atual da Câmara Municipal de Limeira é um bom retrato disso.

A blindagem feita por vereadores governistas ao longo de todos esses anos, com tantos indícios de irregularidades já identificados em inúmeros contratos feitos pelo governo Sílvio Félix, é vergonhosa.

Agora, com as novas revelações do caso da merenda, os aliados (ainda?) terão necessariamente de trabalhar, o que tinham de ter feito, em função do cargo que ocupam, há muito tempo, mas não o fizeram porque... partilharam a agenda do Executivo, acima dos interesses da sociedade.

Uma oposição fraca é ruim. Inexistente, pior ainda.

O resultado das eleições de domingo deve proporcionar a tucanos e democratas uma reflexão sobre como fazer uma nova oposição, que reconheça a nova face do Brasil e se volte a ela.

Do lado do governo, o convívio com as críticas terá de ser aprimorado.

É exagero dizer que estamos perto de um Estado autoritário e de ameaça à liberdade de imprensa.

Há críticas de um lado, e respostas críticas de outro. O Brasil não retrocederá neste aspecto.

O real perigo é a oposição e situação manterem o instinto de extirparem-se uns aos outros, e perderem a chance de fazer o País avançar através das reformas que precisam ser feitas, passado o dia 3 de outubro.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

De Erenices a Tiriricas

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 20 de setembro de 2010:

A ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, saiu do cargo merecidamente.

Não devido à condenação feita pela mídia sem que houvesse a instalação de inquérito e o direito à defesa ampla e ao contraditório, como prevê a Constituição e sumariamente ignorados, nem mesmo às declarações feitas por um empresário condenado pela Justiça por crimes de receptação e coação.

Mereceu sair porque, em meio ao bombardeio, descobriu-se que, como José Sarney, tem familiares alastrados pelo governo em postos comissionados, preenchidos por indicação, e não por competência via concurso.

Vem à tona que a irmã de Erenice, em cargo chave no Ministério de Minas e Energia, autorizou a contratação de escritório de advocacia do qual seu irmão é sócio, sem licitação.

Não há, aparentemente, nada de ilegal na operação, mas, no mínimo, não é ético. Muito menos se tratando de parentes de sangue de quem ocupa o cargo mais importante na Administração Pública Federal depois do presidente da República.

Esse aparelhamento sutil, feito nas entranhas da máquina pública, é típico de quem não sabe separar o público do privado, missão básica para quem vai ocupar cargo num órgão mantido às custas do contribuinte.

Essa distinção Erenice, se teve um dia, jogou-a no lixo quando, ao defender-se das acusações, usou papel timbrado da Presidência (institucional, público, portanto) e citou indiretamente José Serra como candidato “aético e já derrotado”, misturando governo e campanha inapropriadamente.

Demissão merecida, assim como Sarney deveria ter saído quando sua árvore genealógica no Senado foi exposta em 2009.

Erenice não é e nem tem a envergadura política de Sarney, mas ambos são exemplos de uma patologia que a sociedade não conseguiu eliminar: o patrimonialismo.

Não, leitor, isso não existe só em Brasília, em Limeira mesmo tem candidatos a deputados federais condenados pela Justiça por terem empregado parentes.

Ouço reclamações sobre a possibilidade (real) de Tiririca eleger-se deputado federal.

O palhaço deve ser eleito porque representa o que é e o que pensa parte significativa do País sobre política.

Pode-se rachar essa culpa entre os políticos que ajudaram a formar essa imagem e seus respectivos eleitores. Mas é a pura realidade política do País, incluindo aí as Erenices, os Sarneys e os que escolhem de qualquer jeito seus governantes quando têm a possibilidade de ajudar a alterar esse panorama.

Ferida não cicatrizada

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 13 de setembro de 2010:

Há alguns anos, ao fazer uma pesquisa na internet, topei com o site desciclo.pedia, uma espécie de antítese da Wikipédia (enciclopédia livre na internet), que faz inúmeras sátiras - muitas criativas, outras pejorativas - a respeito de termos.

No verbete “Limeira”, chama a atenção a relação de empreendimentos que faliram no município, entre eles, obviamente, o Limeira Shopping Center, exemplo mais marcante.

Cansei de ouvir de amigos que moram em outras cidades a mesma interrogação que muitos limeirenses fazem. “Como é que pode até um shopping falir em Limeira?”.

O assunto é complexo, trata-se de empreendimento administrado pela iniciativa privada, mas a falência do Limeira Shopping deixou um estigma que ainda perdura, de que é difícil um negócio avançar em Limeira.

A desativação da antiga refinaria da União em 2008, deixando um elefante-branco no Centro da cidade, só aprimorou esse pensamento negativo, infelizmente.

Em 2005, ao fazer uma ampla reportagem para o jornal da faculdade sobre os efeitos do fechamento do shopping, firmei convicção de que a melhora da autoestima dos limeirenses quanto à prosperidade de negócios passa necessariamente pela reativação do antigo shopping.

Não faltam exemplos de empreendimentos bem-sucedidos nos últimos anos - o Shopping Pátio é um -, sustentados pela labuta quase solitária de persistentes empresários, mas, a todos que passam pela Rodovia Anhangüera, o abandono de um shopping, diante do potencial que se espera de um empreendimento desse porte em ótima localização, reforça o estigma de que nada dá certo no município.

Por isso, vejo que a intervenção da Prefeitura no sentido de encurtar a volta do antigo Limeira Shopping é extremamente positiva, apesar de críticas severas de muitos que acham inoportuno gastar R$ 11 milhões num prédio deteriorado.

Pessoas que acompanham o processo de falência do antigo shopping são unânimes em afirmar que, se esperarmos o desenlace na Justiça, é grande chance de se perder mais um década em função das infindáveis possibilidades de recursos que nosso sistema jurídico permite.

Em transações que envolvem muito dinheiro, é salutar que haja uma fiscalização dessa operação, e aí sim caberia, por exemplo, a constituição de uma comissão na Câmara para acompanhar o assunto.

A volta do Limeira Shopping é mais que uma opção de compra aos consumidores limeirenses; significa, também, virar uma página triste que ajudou a perpetuar em Limeira uma pecha negativa de frustração nos negócios, ferida que insiste em não cicatrizar-se.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A construção do voto

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 6 de setembro de 2010:

Do outro lado da linha telefônica, uma senhora pigarreia, antes de fazer uma pergunta: “Vocês publicaram uma matéria sobre os vereadores [eram 10 de 14] que faltam às sessões. Quando vão mostrar os que não faltam?”.

Respondo-lhe que os nomes estão no mesmo texto. Ela insiste em saber; peço uns minutos para localizar o texto e dizer-lhe o que deseja.

Assim que nomeio os assíduos de janeiro de 2009 a julho deste ano, ela justifica-se, mesmo sem eu perguntar. “Gosto de acompanhar, para quando chegar a época de pedir voto a gente saber sobre quem está pedindo, né?”.

A explicação aguçou minha curiosidade, visto que os 4 que não faltam às sessões da Câmara não são candidatos nas urnas do próximo mês. “Mas depois dessa tem outra”, disse, referindo-se às eleições municipais de 2012.

A observação que essa eleitora faz, infelizmente, é um oásis diante do imenso desinteresse de milhões de brasileiros com a política e os movimentos eleitorais.

Ainda na última semana, audiência pública eleitoral conduzida pela Justiça de Limeira levou poucas pessoas ao Fórum, inclusive pessoas ligadas a partidos políticos.

No plenário da Câmara local, a baixa frequência de espectadores é rotina.

Pesquisa recente da Limite Consultoria, a pedido da Gazeta, apontou que 86,6% dos eleitores não se lembram em quem votaram para deputado há quatro anos.

Acompanhar o desempenho de um político eleito é tarefa que, além de difícil, é feita por poucos.

A grande imprensa tem dívida histórica com seus eleitores na cobertura do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas em relação a projetos e discussões que tramitam nas Casas, que são preteridos diante da possibilidade de explorar os escândalos políticos - também importantes.

Quando estive em Brasília, me surpreendi com a quantidade de projetos de evidente interesse público noticiados nos jornais da Câmara e do Senado, e que estão fora de cobertura da grande mídia.

Geralmente, só sabemos do projeto quando este já foi aprovado e não há mais possibilidade de discutir.

Somos chamados a decidir quem nos administrará a cada dois anos.

A eleição daqui a um mês é mais completa desde 2002, quando mudaremos dois terços do Senado, além de presidente, governador e deputados estadual e federal.

Apesar das dificuldades impostas pelo dia a dia e com a falta de informações, o interesse da eleitora em saber quem está presente nas sessões da Câmara é um bom exemplo de que é possível avaliar quem está na vida pública e construir o voto a longo prazo.

Um mês é pouco tempo, mas melhor decidir em 30 dias que de última hora.

Elaborar um bom voto é fortalecer a cidadania.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Para decolar a década

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 30 de agosto de 2010:

Arrisco a dizer que, depois da vinda do câmpus 2 da Unicamp, o anúncio da inclusão de Limeira numa malha aérea, conforme revelado pela Gazeta na quarta-feira, é a melhor notícia dos últimos anos no município, e veio em momento que não podia ser melhor.

Nos próximos 6 anos, as expectativas de desenvolvimento do País diante das grandiosas missões de sediar Copa do Mundo e Olimpíada são extremamente positivas.

No aspecto de infraestrutura, os governos federais e estaduais terão de investir para comportar a demanda de visitantes que o País receberá.

Como a economia voltou a crescer após a crise e houve melhora no poder de consumo das classes C e D, o fluxo de passageiros no transporte aéreo só tende a aumentar.

Neste contexto, a localização estratégica de Limeira pode finalmente ajudar a acelerar o novo aeroporto.

O empresário Roberto Martins tem razão ao afirmar que o município pode ser, sim, alternativa a Viracopos, aeroporto de Campinas que ganhou relevância e visibilidade após o caos aéreo dos últimos três anos.

Outro ponto favorável do aeroporto de Limeira: fácil acesso às rodovias Anhangüera e Washington Luís, o que poderia atrair o desembarque de cargas e reforçar o município como importante centro distribuidor de mercadorias.

Volto à realidade: construir um aeroporto nunca foi prioridade dos últimos administradores de Limeira.

Sempre foi o tipo de projeto que sempre ficou no projeto, entra ano, sai ano.

Desde que licitou a obra em 2006, no valor de R$ 46,9 milhões, a Prefeitura só conseguiu avançar na terraplenagem, que por sinal não termina nunca.

Fazer aeroporto é uma obra cara, e por isso o prefeito Sílvio Félix vem buscando ajuda financeira da União e do Estado para impulsioná-la.

Hoje, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) reprovaria todas as operações que a Laguna Linhas Aéreas pretende para Limeira, devido à infraestrutura aeroportuária deficiente.

O anúncio da Laguna, porém, pode ser um divisor, pois trata-se, pela primeira vez, da iniciativa privada demonstrando interesse no aeroporto de Limeira.

Ganha mais peso o pleito do município junto ao governo federal e estadual quando se sabe que existe este interesse comercial.

Além disso, a presença de representantes de Limeira na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados, incentivada pela campanha Valorize Limeira, da Gazeta/Engep, pode ser peça-chave nas negociações políticas para obtenção de ajuda financeira.

Na década que promete ser a do desenvolvimento, o município ganhou um ponto de partida novo.

Não é preciso um aeroporto de porte internacional para que as aeronaves comecem a pousar em Limeira; basta, de início, modelar o essencial para o início das operações, para daí aprimorar aos poucos.

Para isso, é o Município e suas forças políticas que precisam assumir o comando do projeto e tratá-lo com a devida prioridade que ele merece.


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O valor de uma conversa

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 23 de agosto de 2010:

O faxineiro não apareceu no horário de serviço habitual, às 6h.

Duas horas depois, fui chamado no setor de recursos humanos e recebi uma missão estranha: “Acalme-o, que ele está contando para todos que foi parado pela Polícia Federal”.

Eu sorri. João estudou até a 4ª série, é analfabeto funcional. Simples, de família humilde, retirante do Nordeste, afastou-se da miséria de sua terra para tentar vida melhor no interior de São Paulo. Não tinha a menor ideia do que é a PF.

Dei-lhe uma bronca e questionei-o. Uma história sem pé nem cabeça, julguei.

Seu ônibus quebrara e ele percorreu a metade do caminho até o serviço a pé. Foi chamado por pessoas que estavam retirando peça de computador de uma casa. Mostraram-lhe um “filminho” com cenas de sexo. Fizeram-no assinar um documento e prometeram-lhe chamar de volta. Após rir, pedi para que parasse de tomar tempo dos demais colegas com aquela bobagem.

À tarde, já em minha função de jornalista, li de relance na internet que a PF fizera a primeira megaoperação contra a pedofilia no País. Passou em várias cidades, mas Limeira não estava na lista.

Cismei a tarde toda. Será possível?

Avisei meu colega, que cobria a área de segurança, para que consultasse a PF de Piracicaba. Dito e feito. Embora não constasse na lista, Limeira foi visitada pela manhã.

Era possível. Teclei o fone da firma, mas João fora embora. Liguei na casa da assistente de RH e arranquei-lhe o nome da esposa do faxineiro e o sobrenome.

Fui à lista telefônica e li todas as ruas do bairro onde João mora até achar seu número. Ninguém atendeu.

Eram seis horas da tarde, estava perto do horário-limite. Liguei para os vizinhos e pedi para lhe tirarem do bar onde estava e atender o telefone. “João, conte com calma aquilo que você me disse...”.

No dia seguinte, notícia exclusiva: primeira operação nacional contra pedofilia chegou até Limeira. Ninguém da polícia local sabia. Só houve uma testemunha da ação, e eu tinha dado risada dela.

Esse episódio marcou bastante não só minha trajetória como jornalista, mas também pessoal.

Uma ajuda pode vir a qualquer momento, na situação mais esquisita, de onde menos esperamos - não importa classe social ou escolaridade.

No dia a dia, desprezamos muitas vezes uma conversa aparentemente tola sem saber a riqueza do que podemos extrair dela. E perdermos lições simples, que se dispersam em meio à nossa arrogância.

João continua sem saber o que é a PF, provavelmente os agentes jamais vão chamá-lo de volta, motivo de risadas sempre que a gente se encontra na rua.

Mas ele me ensinou a valorizar e nunca desprezar um diálogo, com quem quer que seja. Nunca se sabe de onde vem a ajuda, mas é melhor tê-la do que deixá-la escapar.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Indiferenças perigosas

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 16 de agosto de 2010:

Ao amanhecer, Zé (nome fictício) abre a porta da frente de casa e solta palavrões quando vê os panfletos dos candidatos espalhados pela garagem; ao andar pelas ruas da cidade, se incomoda com os cavaletes que teimam em ficar, nem que seja por três meses, no meio do caminho.

Quando passa por uma esquina, reclama que o outdoor do candidato está poluindo visualmente o município; idem com as faixas e cartazes colocados nos postes.

Quando há comício, protesta que o barulho atrapalha e invade sua privacidade; ao ver um candidato andando pelas ruas e cumprimentando pessoas, reclama e fala em oportunismo.

Quando há uma chance de conhecer os candidatos num debate pela TV, ele prefere assistir o futebol - o evento da Band, há 11 dias, teve só três pontos de audiência, em média, contra 30 de São Paulo x Inter transmitido pela Globo.

As mudanças na legislação eleitoral feitas nos últimos anos podaram muitos excessos.

Os showmícios foram proibidos porque se tornaram, à custa de atrações musicais, chamarizes de votos para os políticos que se associavam aos cantores.

Mas, sem os artistas, Zé não vai se animar a sair de casa para ouvir um candidato discursar. Portanto, comícios, embora permitidos, deixaram de ser feitos, porque não há interesse nem dos políticos nem dos eleitores.

Assim, o período mais importante na mudança de rumos de um País e do Estado está se passando de forma despercebida.

Na fase em que o mais importante é o debate e o aparecimento para a população, todos se veem “amarrados” e com medo de serem enquadrados pela Justiça Eleitoral ou por pessoas como Zé, que não gostam de panfletos em casa, outdoors, faixas, cartazes, cavaletes ou debates.

A eleição presidencial norte-americana de 2008, que consagrou a vitória de Barack Obama, se tornou emblemática não só por culminar na conquista de um negro do mais alto posto político da maior potência econômica mundial, mas por mostrar como o processo mobilizou eleitores por vários meses.

Sim, um ano antes do pleito, já havia debates, megaeventos e publicidade a todo o vapor.

Mas por estas bandas fazer um debate presidencial na TV, daqui a pouco, animará Silvio Santos a colocar, com competitividade, o seriado “Chaves” (com todo e merecido respeito pelo programa).

Da mesma forma como o Brasil perdeu Copas do Mundo com excesso de exposições (2006) e com excesso de proibições (2010), o debate político no país não evoluirá com uma legislação excessivamente proibitiva como a atualmente vigora, nem com liberações para abusos como ocorriam até os anos 90.

É preciso revê-la antes que chatice atual se perpetue.

Três meses (e é pouco tempo) de panfletos, cartazes e outdoors são suportáveis, punindo-se, é claro, os abusos.

A inanição e a indiferença de pessoas como Zé é que são insuportáveis e perigosas.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mudança pela arquibancada

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 9 de agosto de 2010:

O desabafo tinha tudo para ser legítimo. Pais que estiveram no Limeirão no último dia 1º se espantaram com o cumprimento de uma portaria, que proibia a permanência de crianças menores de seis anos no local – o estádio há anos não tem lotação e assistir a uma partida de futebol com o filho no fim de semana, afinal, é boa diversão, diante de tanta falta de opções.

Porém, do outro lado, existe uma preocupação da Vara da Infância e Juventude em fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente, e evitar expô-los a situações de risco.

E hoje, no País inteiro, conseguiu-se tirar do campo de futebol o conceito que ele tinha de possuir por natureza: um ponto de encontro para o lazer e a diversão com os amigos e a família.

Tivesse ocorrido o contrário, uma briga de torcidas que provocasse o pisoteamento de uma criança, quem estaria como vidraça seria a Polícia Militar, Vara da Infância e Juventude e entidades que cuidam de crianças.

Daí que até mesmo o excesso de zelo torna-se tolerável para, pelo menos, dar o ponto de início à discussão.

E é dessa forma que é preciso encarar o episódio do Limeirão: ponto de partida para o diálogo. Tanto a presidência da Inter quanto alguns pais que ficaram revoltados com a situação erraram num ponto: desconhecer uma portaria que, teve sim, divulgação por parte desta Gazeta, no final de junho. E talvez tenha faltado à PM uma simples conversa prévia com a Inter para que a fiscalização fosse efetivada sem polêmica alguma.

Num primeiro momento, o rigor parece exagero. Mas uma demonstração firme de que há segurança, com argumentos baseados em evidências, pode até ajudar numa negociação que vise um acordo.

Infelizmente, o trabalhador que quer levar o filho para um evento esportivo hoje é punido por causa de marginais travestidos de torcedores que, nos últimos anos, associaram um estádio de futebol ao conceito de insegurança.

Uma mudança nessa visão só acontecerá com transformações radicais de administradores de estádios, clubes de futebol, dirigentes, torcedores e da própria sociedade como um todo. A longo prazo, portanto.

Até lá, a medida de impedir uma criança de assistir uma partida da Inter na última divisão do Paulisão continuará a soar como exagero, embora prudente.

Cabe a nós, torcedores, mostrarmos que conseguimos fazer do estádio um local em que crianças não estarão em situação de risco. A mudança começa por quem está na arquibancada.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O custo de todos os nossos medos

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 2 de agosto de 2010:

O livro que me caiu em mãos nos últimos dias coincidiu com a divulgação de uma cifra atordoante.

“Ordens do Executivo”, de Tom Clancy, parte de um ataque suicida de um piloto de avião que chocou-se contra o Capitólio, prédio do Congresso dos Estados Unidos, matando o presidente, congressistas e autoridades judiciárias, deixando o país à deriva e boquiaberto. O livro é de 1996, cinco anos antes do 11 de setembro.

Toda a paranoia norte-americana de insegurança, que ilustro com o enredo ficcional de Clancy, já fez a maior economia mundial, além de perder o controle operacional dos escritórios de informações estratégicas criados após o efeito Bin-Laden, gastar um trilhão de dólares (R$ 1,78 trilhão) em operações contra o terrorismo desde o ataque às Torres Gêmeas.

Foi o mesmo montante que a Europa aprovou em maio para salvar sua moeda e impedir uma onda de calotes.

Se você empilhasse um trilhão de reais em notas, atingiria a altura de 3,3 milhões de prédios de 100 andares cada; lado a lado, as notas dariam mais de 3,5 mil voltas na Terra.

É dinheiro à beça. Como é também a previsão de faturamento das empresas do setor de segurança privada no Brasil neste ano: R$ 15 bilhões.

O número de profissionais que atuam em segurança patrimonial no País ultrapassou o efetivo da PM – são 450 mil vigilantes contra 310 mil PMs nos 27 Estados, diferença de 45%. O mercado privado de segurança cresce em ritmo anual de cerca de 14%.

Se um prêmio de R$ 2 milhões da Mega-Sena já nos permite toda a sorte de imaginações quanto às possibilidades de gastá-lo em ações positivas, fazer o mesmo com toda a dinheirama investida para conter nossos medos, seja nos EUA ou no Brasil, parece surreal.

E faço a pergunta inevitável: o mundo, o País ou a sua cidade ficaram, depois disso, mais seguras, ou melhor, passam a impressão de mais segurança? Estatísticas e situações cotidianas não faltam para por um pingo de dúvida em nossas respostas.

Debater as políticas e, principalmente, onde e como estão sendo gastas as verbas destinadas à segurança pública, faz-se necessário com a aproximação das eleições de outubro.

Cabe ao eleitor procurar saber o que seu candidato pensa a respeito disso e suas propostas.

Cada real mal gasto nessa área implica em você investir outro real para garantir o que o primeiro deveria suprir.

E a conta aumenta desapercebidamente, assim como o apito do vigilante noturno na rua soa para que você não se esqueça de pagá-lo no final do mês, mesmo já tendo fechadura dupla na porta da frente, cerca elétrica, alarme, travas...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Não era para estar lá

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 26 de julho de 2010:

Ouvi isso de muitas pessoas que comentaram a morte do músico Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães, por atropelamento na madrugada da última terça-feira.

Afinal, o túnel onde ocorreu o acidente estava interditado para manutenção e 1h30 é um horário pouco convencional para manobras de skate.

Mas o carro do atropelador que o matou, pelo mesmo motivo de interdição, também não era para estar naquele túnel, ainda mais em alta velocidade e, pelas apurações iniciais, tirando um “racha”, ato proibido pelo artigo 308 do Código de Trânsito Brasileiro.

E, do contrário, era para estarem lá, na boca do túnel, agentes de fiscalização que pudessem notar uma invasão, seja por pedestre, skatista ou motorista.

Também não era para estarem lá os dois soldados da PM que, em vez de deterem o atropelador, teriam pedido propina de R$ 10 mil e combinado de receber o dinheiro depois, isso tudo enquanto o jovem agonizava dentro do túnel.

Como também não era para acontecer a abordagem que esses mesmos PMs fizeram, de não pararem o carro suspeito de participar de racha para averiguação e que tinha indícios claros de problemas, conforme reconheceu o comando da PM no Rio.

Da mesma forma, não era para o Siena ter sido levado a uma oficina mecânica com o objetivo de ser consertado antes mesmo de passar por uma perícia – se os PMs não tivessem liberado o carro, este não teria sido mexido.

Mas, ainda assim, tudo o que não era para estar naquele túnel ou acontecido estava lá e aconteceu, desde o péssimo monitoramento de tráfego de um ponto interditado para passagem até a relapsa e reprovável conduta adotada pelos PMs.

E o resultado de toda essa sucessão de erros foi a vida de um jovem ceifada aos 18 anos.

Fatalidade é uma palavra sempre associada a vidas perdidas no trânsito.

Mas uma observação atenta às circunstâncias de uma tragédia fará, certamente, surgirem duas outras palavras: imprudência e negligência.

A morte do estudante limeirense Luiz Guilherme Boim, ocorrida na Avenida Dr. Fabrício Vampré em maio, aparentemente era uma fatalidade.

Mas a via recapeada recentemente não tinha sinalizações de solo, o que permitia todos os leques possíveis de imprudência dos motoristas.

Enquanto a sociedade não passar a encarar o trânsito como algo que mereça tanta atenção quanto questões como educação, saúde, segurança ou lazer, vidas continuarão a ser esfaceladas, independentemente se elas deviam ou não estarem em determinado local – lamentar depois, quando não há volta, é tão terrível quanto ajudar a perpetuar a selvageria nas ruas.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Coisas mais importantes

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 19 de julho de 2010:

Em 2003, o autor deste texto nem cursava a faculdade de jornalismo; Saddam Hussein era presidente do Iraque; Barack Obama tentava pela segunda vez se eleger senador no Estados Unidos; o ataque do Corinthians era formado por Liedson e Gil.

E duas crianças limeirenses, na tentativa de recuperar uma pipa artesanal, arremessaram uma pedra que atingiu e danificou o para-brisa de uma viatura policial.

Faz três anos e meio que Saddam morreu enforcado e o Iraque vive mergulhado numa guerra sem fim; Obama virou o primeiro presidente negro da história do EUA; Liedson hoje joga pela seleção de Portugal, e Gil vive no esquecimento, dispensado pelo Flamengo após amargar a reserva.

E, pasmem, só no último dia 2 de julho a Justiça de Limeira decidiu: os pais das crianças são responsáveis pelo dano que os filhos provocaram no carro da polícia e terão de pagar reparação. Diz o juiz Adilson Araki Ribeiro: “O fato pode ser enquadrado como infantil ou corriqueiro, mas o Estado não pode ser responsabilizado”.

Valor cobrado: R$ 207,50.

Sim, por sete anos, servidores públicos e toda a burocracia estatal foram mobilizados para que se cobrasse na Justiça uma quantia irrisória de uma brincadeira inadvertida de duas crianças.

Faço questão de citar esse caso para discutir um segundo ponto, mais recente: na semana passada, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que, se aprovado, proibirá pais de darem palmadas e beliscões em crianças e adolescentes, com o objetivo de acabar com a banalização da violência dentro de casa.

Se as palmadas forem reiteradas, poderão culminar até na perda da guarda pelos pais.

O objetivo desta lei é elogiável, mas banalização da violência em casa pode - e deveria - ser combatida com uma outra pedra, bem mais fundamental que aquela arremessada pelas duas crianças limeirenses que causaram um profundo rombo de R$ 207 nos cofres do Estado: educação.

Pedra essa que é responsabilidade de nosso poder público e que, mesmo com os avanços obtidos, ainda tem muito o que evoluir, já que um aluno que finalizou o segundo ano do ensino médio na rede pública sabe o mesmo que um estudante concluinte do ensino fundamental na rede particular.

Enquanto nossos nobres representantes de Brasília investirão seus onerosos tempos bancados com o dinheiro do contribuinte brasileiro para discutir e tornar lei a proibição de uma palmadinha em casa, ninguém está preocupado em mudar a estúpida burocracia estatal que, além de se ocupar com o para-brisa de uma viatura policial, dará, 25 anos depois, aos herdeiros de 157 aposentados limeirenses o dinheiro que, na década de 80, marcada pela inflação e pela economia em crise, seria valioso. Como a Gazeta mostrou ontem, todos morreram sem ter o que era de direito.

Creio que temos coisas mais importantes para discutir do que uma palmadinha ou demorar 7 anos cobrando na Justiça uma pedrada de criança.

Cada problema deve merecer a atenção de acordo com a sua dimensão.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Assassinadas

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 12 de julho de 2010:

Assim como centenas de mulheres Brasil afora, Eliza Samudio já havia demonstrado para o Estado que seu relacionamento com o goleiro Bruno não ia bem, quando, em outubro de 2009, foi vítima de sequestro e agressão, além de ser forçada a ingerir abortivos.

Mas a burocracia do poder público, na demora de conclusão de laudos e lentidão nas investigações, só permitiu ao Ministério Público denunciar seus agressores à Justiça no último dia 7, quando, além do que acontecera em outubro, o País e o mundo se assustavam com a brutalidade de outro crime, no qual lá estava Eliza, a mesma vítima de nove meses atrás, e os mesmos agressores.

O caso Eliza Samudio tornou-se notório na semana em que um estudo revelou dados que assustam.

Segundo o Mapa da Violência 2010 divulgado pelo Instituto Sangari, entre 2003 e 2007 ocorreram 19,4 mil homicídios de mulheres no País, média de 4 mil por ano.

Entre 1997 e 2007, 41 mil mulheres foram assassinadas, 4,2 por 100 mil habitantes, índice acima dos padrões internacionais.

Realidade violenta que está distante de nós, afirmarão alguns.

Tremendo engano. Nesse mesmo estudo, constato que Limeira teve média de homicídios de mulheres acima de cidades vizinhas.

Entre 2003 e 2007, as 26 vítimas femininas de Limeira no período representaram taxa de 3,6 assassinadas por 100 mil mulheres.

Supera, seguindo o mesmo parâmetro comparativo, as vizinhas Piracicaba (3,4), Mogi Mirim (3,3), Santa Bárbara D’Oeste (2,7) e Americana (2,1).

Justificativas variam, mas, em geral, mulheres são mortas por razões torpes, como brigas domésticas e motivações passionais – num estudo de 23 casos pela polícia de São Paulo, apenas 10% dos assassinatos estavam relacionados ao uso ou à venda de drogas, circunstância bem comum entre as vítimas masculinas de homicídio.

Cabe a sociedade e ao poder público reforçarem permanentemente suas redes de proteção preventiva às mulheres, que, como Eliza, dão sinais claros da existência silenciosa da violência.

O Projeto Pérola, lançado há um ano pela Prefeitura, é valioso, mas precisa ser constantemente repensado ante as peculiaridades da violência, especialmente a psicológica, mais “invisível”.

E o Estado não pode ficar satisfeito em demorar nove meses para concluir uma investigação que deixou tantos rastros.

No caso de Eliza, foi o tempo necessário para lhe tirarem a vida.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Faltou a dose boa de loucura

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 5 de julho de 2010:

O sucesso do Brasil na África seria um prêmio ao trabalho de longo prazo, do planejamento desenvolvido nos últimos 4 anos.

Dunga foi contratado para encerrar uma era de badalação consagrada pelo fiasco da eliminação da seleção diante da França em 2006 e implementar o que se espera de uma equipe de funcionários numa empresa: disciplina e concentração para obtenção de resultados.

O caminho trilhado mostrou-se surpreendentemente adequado, especialmente quando analisado o cumprimento de metas.

Com seus homens de confiança, e não necessariamente os mais qualificados, Dunga faturou a Copa América em 2007 e a Copa das Confederações em 2009, liquidou a Argentina em três vitórias incontestáveis, bem como a Itália, derrotada duas vezes de forma impiedosa pelos seus comandados.

Até antes do jogo contra a Holanda, o treinador tinha 69% de aprovação dos brasileiros.

Bem, e daí? Fracassou.

A Argentina (escrevo antes do jogo contra a Alemanha) fez tudo errado em questão de planejamento.

Nos mesmos 4 anos da 2ª Era Dunga, colecionou fiascos, virou freguês do maior rival, demitiu o técnico para inventar um novo, Maradona, um falastrão que, para montar um time, chamou uma penca de jogadores e esteve ameaçado de não ir para o Mundial, o que lhe rendeu críticas da crônica esportiva local - além disso, não conseguiu construir uma defesa sólida, e abriu mão de jogadores experientes. Ainda que não ganhe a Copa, nossos vizinhos deixaram melhor impressão que o Brasil.

Passar da primeira fase na Copa era um planejamento audacioso do bicampeão Uruguai, última seleção a garantir vaga no Mundial após uma repescagem - chance final para os derrotados na campanha normal.

Sem estrelas e afastada da elite futebolística após gerações fracassadas de jogadores, a Celeste era para ser figurante, mas conseguiu chegar onde o Brasil metódico de Dunga não chegou. Ainda que não ganhe a Copa, deixará melhor impressão que o Brasil.

O que diferenciou estas três equipes, e o fracasso do time de Dunga, é que este, ao contrário daqueles, não tinha nenhum integrante que, justamente, se diferenciasse do comum.

O time certinho, excessivamente planejado, que cumpria a cartilha seguindo as regras, que fez pacto para não falar com a imprensa (uma bobagem), que fazia treino secreto (para quê?) como se escondesse um segredo de Estado, fechou-se também para a criatividade, a invenção, a magia, as características do futebol brasileiro, melhor expressadas num Ronaldinho Gaúcho e Adriano, que, ainda com problemas extra-campos, tinham mais chance de decidirem que Luís Fabiano e Daniel Alves.

Faltou ao Brasil ser um pouco mais “fora da ordem”, criar o improviso, faltou a dose boa de loucura que o atacante uruguaio “El Loco” Abreu teve para, ao contrário da seleção de Dunga, entrar para a história, mas de forma positiva.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Lazer e regras

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 28 de junho de 2010:

A Vara da Infância e Juventude de Limeira está, corretamente, determinada em combater as violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e baixou, conforme a Gazeta revelou na sexta-feira, uma portaria que torna mais rigorosa a permânencia de menores de idade em eventos.

E, para quem duvide deste posicionamento da Justiça, melhor se acostumar com a postura mais severa.

No dia 31 de maio, a juíza Daniela Mie Murata Barrichello, autora da portaria, aplicou penalidade administrativa de multa, correspondente a dez salários mínimos, a um promotor de eventos do município que agiu “contrariamente às normas protetivas das crianças e adolescentes, afrontando a portaria do juízo” - era a norma antiga que estava vigente.

Não adianta os limeirenses reclamarem e apontarem que a Justiça quer tornar Limeira uma cidade mais chata, com excesso de regras e imposições às baladas dos adolescentes.

O endurecimento das regras vem em função da realidade, constatada por um grupo de voluntários criado pela magistrada para fiscalizar o cumprimento das regras de proteção aos menores. Que, ao que tudo indica, estão sendo violadas de forma reiterada, já que o diagnóstico é preocupante: menores tomando bebida alcoólica a torto e direito, entrando em festas impróprias para a idade e desacompanhados dos responsáveis, e coloquemos etecéteras nisso.

A portaria é um recado duro, especialmente aos pais, que não têm ideia aonde os filhos vão ou o que fazem: na última sexta-feira, um dos voluntários da Justiça se impressionou com o estado de embriaguez de um menino de 12 anos encontrado num “point” do município - de acordo com o relato, o garoto estava próximo do coma alcoólico.

São descrições como esta que fazem com que a Justiça decida agir, dentro de suas possibilidades, com severidade, para tentar evitar que o quadro se agrave ainda mais.

É importante que fique claro aos jovens que a portaria da Justiça não tem o objetivo de impedir a diversão, uma crítica que muito se ouve, por exemplo, quando o Ministério Público, por meio do promotor Luiz Alberto Segalla Bevilácqua, busca fazer valer direitos previstos em lei, no caso da poluição sonora.

São determinações que visam proteger a criança e o adolescente, e a responsabilizar quem insiste, visando somente ao lucro, infringir a legislação.

Curtir as horas de lazer é recomendável a todas as idades, especialmente aos jovens, mas a sociedade precisa destes últimos com o espírito arejado, inovador, consciente e produtivo, e não jogados às esquinas em coma alcoólico por negligência e violação à lei de alguns, sejam pais ou promotores de eventos.

Quando pais e promotores dialogarem com os filhos e frequentadores, respectivamente, no sentido destes dois últimos entenderem como diversão e regras são compatíveis, o peso da Justiça será, automaticamente, menor.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Chorar, e não ter vergonha...

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 21 de junho de 2010:

A Coreia do Norte foi, na última década, demonizada pelas potências mundiais por motivos, politicamente, justificáveis: tem um regime fechadíssimo, é considerada ditadura totalitarista, volta e meia desafia a comunidade internacional com um míssel aqui, outro ali, tem ambições atômicas e realimenta constantemente o desentendimento que a distancia do país-irmão do sul.

Paro por aí, porque este não é um texto para discutir se o ditador Kim Jong-Il é um maluco pronto a mandar pelos ares quem não segue sua cartilha.

Odiada pelas lideranças mundiais, foi a Coreia do Norte quem acolheu o responsável pelo momento mais emocionante desta que, até aqui, tem tudo para ser a mais fria (do ponto de vista climático ao futebolístico) de todas as Copas do Mundo.

O choro incontido, despido de vergonha, do atacante Jong Tae-Se durante o hino, antes da estreia de sua seleção na Copa contra a favorita equipe brasileira, mostrou ao mundo que, independentemente de pontos de vista e regimes políticos, o ser humano pode, por vias diversas, entre elas o esporte, como o futebol, demonstrar com absoluta liberdade o que o torna diferenciado entre as espécimes deste planeta: a capacidade de compreender a realidade à sua volta, reagir e transformá-la.

Ele tinha tudo para não estar ali, no gramado do Ellis Park.

Tae-Se nasceu no Japão, seus pais são da Coreia do Sul.

Antes de conseguir abrigo e obter naturalização na nação que defende na Copa, o atacante teve sua nacionalidade negada pelo país de seus pais.

Quando teve a capacidade de perceber que estava em campo para uma partida de Copa do Mundo, cantando o hino do país que lhe aceitou, Tae-Se reagiu.

E chorou, copiosamente, sem vergonha, sabe-se lá mais o quê lhe passou na cabeça, e transformou a Coreia do Norte, aos olhos do mundo, num país mais humano, onde palavras como ditadura e totalitarismo não tem relevância alguma.

Pouco importa se a Coreia do Norte contribuirá à história das Copas neste ano.

O escritor português José Saramago, morto na última sexta-feira, afirmou certa vez: “O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas”.

Para oferecer ao mundo uma nova maneira de ver seu país, a sua realidade, Tae-Se não precisou ganhar nem perder, pois tanto um quanto outro são passageiros. Bastou ser humano, e não sentir vergonha disso.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Hora de torcer, mas de participar

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 14 de junho de 2010:

A senadora Marina Silva (PV) pode nem ir muito longe nas eleições presidenciais de outubro, mas já terá dado uma contribuição muito importante ao País se sua principal tese, divulgada na última semana, no lançamento de sua candidatura ao Planalto, for seriamente debatida durante o período de campanha.

A pré-candidata afirmou que o País precisa deixar de ter um Estado provedor - aquele que oferece tudo - para ser um Estado mobilizador, aquele que é feito com a participação das pessoas.

Dessa afirmativa, pode-se visualizar uma crítica sutil à condução do Bolsa Família, programa de transferência de renda de sucesso no governo Lula, mas por muitos tachado de assistencialista - em vez de ensinar a pescar, dá o peixe.

A ideia de um Estado mobilizador faz todo o sentido, especialmente num País em que, nas últimas décadas, o interesse pela política decaiu.

A quantidade de pessoas filiadas a um partido diminuiu gradativamente. Decisões que antes eram tomadas com militâncias passaram a ser discutidas em mesas de restaurante, em círculos fechados.

Reflexos disso estão em toda parte, e integram nosso dia a dia: observem se há muitos candidatos ao posto de síndico, à liderança de uma associação de bairro ou numa simples eleição para representante de classe na escola.

A aprovação da Ficha Limpa, ocorrida neste mês, é um exemplo de quanto é benéfica a participação incisiva da sociedade no processo de transformação do País.

Tudo bem que os políticos desidrataram bastante o projeto original, mas a pressão dos movimentos organizados e opinião pública foi fundamental para que algo, ao menos, ocorresse.

Foi a partir da mobilização das pessoas que o projeto vingou. E essa participação deveria também ser incentivada pelo Estado.

Na última semana, Limeira sediou uma audiência sobre o orçamento estadual de 2011, excelente oportunidade para apresentação de sugestões de necessidades ao Estado. Mas muitas entidades representativas de importantes segmentos da sociedade sequer mandaram representantes à Câmara.

Mais: diante das características dos pedidos, o presidente da audiência, deputado Mauro Bragato cobrou união entre Limeira, Cordeirópolis e Iracemápolis nas solicitações, já que muitas delas são de interesse conjunto.

Três cidades que deveriam estar unidas, mas que hoje pedem, de forma desordenada, contribuição do Estado, por pura falta de mobilidade, ou de interesse político mesmo de seus administradores, ou seja, de poucas pessoas, em detrimento da necessidade de muitos.

Estamos em época de Copa do Mundo, raro período em que o País se mobiliza e torce unido. Amanhã, todos esquecem diferenças de ideologias por um mesmo motivo.

Se esses mesmos torcedores, ao final do torneio, mantivessem a iniciativa de, em vez de esperar dos outros, participar ativamente do processo de construção de seu bairro, de seu trabalho, de sua comunidade ou cidade, mudanças significativas poderiam, de fato, ser implementadas em nosso País.

Debater se devemos ter um Estado mais mobilizador requer, primeiro, que a sociedade saia da inércia e deseje participar de sua construção.

Em resumo, mover-se.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Além de uma prisão no escuro

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 7 de junho de 2010:

O bairro estava escuro. A abordagem foi rápida. Dois jovens são conduzidos à parede de um muro, mãos na cabeça.

O PM conduz a conversa, perguntando a um dos detidos se ele era traficante. A negativa vem, mas não convence.

Há uma confissão, como se fosse suficiente para mudar o panorama penal. O rapaz murmura que é apenas um usuário de maconha.

O militar diz que irá procurar atrás do muro e que, dependendo do que encontrar, irá enquadrá-lo. Uma busca simples revela o esconderijo da droga. E há variados tipos de entorpecentes, em quantidades nada pequenas para quem diz que só consome.

O suspeito detido já não tem como negar. “Sou viciado em coca, sinhô! E também em maconha. E também em...”.

Nas cenas seguintes, vemos os PMs indo até a residência do jovem, uma moradia simples da periferia de São Paulo, no extremo de uma baixada.

Encontram o pai do rapaz. Que se desespera, mais uma vez.

Sua fala é um indicativo de quem não sabe o que fazer. Avisa aos policiais que ali só mora gente trabalhadora, de bem.

O militar pergunta a respeito do filho que acaba de ser detido. “Ah, senhor, esse é o único que não quer trabalhar. Chego em casa, pergunto à minha mulher onde ele está, e ele está por aí...”.

Não é a primeira vez que o rapaz é preso. Nada indica que será a última.

O drama que relato é apenas um dos exibidos num programa curioso - e polêmico - lançado pela TV Bandeirantes no mês passado, chamado “Polícia 24 horas”.

Equipes da emissora acompanham e documentam a rotina dos policiais, nas mais diversas abordagens; de homicídios a apreensão de drogas, de brigas de vizinhos à prisão de um suspeito de abuso sexual contra a própria neta.

Nunca tive apreço por esses programas policiais, boa parte deles sensacionalistas, que desde a década passada se tornaram frequentes nas grades de programação.

Mas o que desperta a reflexão nesse programa, em específico, é o grau de dramatização existente em cada história abordada, e a necessidade, por parte das corporações policiais, de ter, numa mesma operação, sensibilidade e firmeza, quando cada uma for precisa, para atuar nas mais diferentes situações.

O que não é fácil, já que os integrantes de nossas polícias são, também, reflexos da cultura brasileira, e sujeitos aos mesmos dramas vividos pelos suspeitos que prendem.

Não é preciso ir longe para se deparar com dramas reais. Numa mesma semana, esta Gazeta mostrou que, desesperadas, algumas famílias estão acionando a Justiça para conseguir internar os filhos com o objetivo de livrá-los das drogas, e o número de crianças vítimas de abuso sexual atendidas pelo programa Pérola aumentou em seis meses.

A questão é: temos uma sociedade preparada - incluindo polícias, escolas, poder público, Justiça, entidades, entre outros - para, de forma madura, compreender a dimensão e a complexidade dos dramas escondidos, por exemplo, atrás da detenção do rapaz que relatei no início?

Creio que não, mas examinar com profundidade essas situações é um caminho que pode e deve ser insistentemente percorrido por todos.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

A partida de tênis que nunca aconteceu

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 31 de maio de 2010:

Como fazia todos os anos, ele acordou naquela manhã de julho com a mesma expectativa de quem concederia a primeira entrevista, não importasse quem fosse o(a) jovem repórter da vez.

Com um sorriso, mirou as fotografias dos quadros da parede, e reteve nas mãos, demoradamente, o capacete companheiro, objeto que, em algum momento da conversa, ia parar na cabeça de seu interlocutor, como se quisesse transportar, ele e o novo amigo, para aquela tarde de inverno, num campo bandeirante de um distante 1932.

Meu entrevistado fez-me ver fotografias antigas, enquanto discorria a história que jamais se cansou de repetir.

Eu arriscava uma pergunta, vez ou outra, prontamente respondida.

Olhei o conteúdo de uma pasta que ele me abriu, dezenas de folhas, textos escritos por companheiros de profissão, cuidadosamente recortados para serem exibidos ao repórter do ano seguinte. “Guardo tudo”, disse.

Raciocinei que o meu texto seria o próximo a ser arquivado. Tenho certeza que foi.

Ao final, a pergunta inesperada, terna e simples:

“Vamos jogar tênis?”.

“Obrigado, seu Esmeraldo, tenho que voltar para a redação”, justifiquei.

Se lhe perguntassem porque a metralhadora inimiga falhou diante da patrulha na qual integrava, naquele dia de julho de 32, Esmeraldo não saberia responder, e talvez reconheceria isso com tal convicção que convenceria seu interlocutor de que isso foi necessário, e inexplicável ao mesmo tempo, para que pudesse, décadas mais tarde, relatar aos jovens o drama de ter visto a morte de perto numa guerra.

Para que pudesse, num fim de tarde de maio, ir até o balcão da Gazeta, e relatar que, mesmo sem um companheiro para jogar tênis, o esporte preferido, fez caminhada por 15 minutos.

Quase centenário, se orgulhava de ter feito sua parte no “Dia D”, não a data de desembarque das tropas aliadas na Normandia em 1944, nem a data decisiva da Revolução Constitucionalista, mas o Dia do Desafio, cujo objetivo é lembrar a todos que precisamos ter uma vida saudável, como ele tinha.

Esmeraldo Figueira Filho encerrou, no último dia 22, aos 97 anos, sua participação na batalha da qual, na memória, nunca saiu desde que se alistou.

Ele se mostrava feliz por ter ficado do lado vitorioso da Revolução de 32, mas sabia que, numa guerra, ser vencedor ou vencido faz parte de um cenário que relativiza o resultado.

No final, todos perdem, mas a diferença é o que cada um fará com o que sobrou dos restos e das marcas das batalhas que enfrentou.

Ele viveu para cima, como ia a bolinha que lançava ao ar para depois acertá-la com a raquete.

Oh, vontade doida de voltar no tempo e aceitar aquele convite!