Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 16 de agosto de 2010:
Ao amanhecer, Zé (nome fictício) abre a porta da frente de casa e solta palavrões quando vê os panfletos dos candidatos espalhados pela garagem; ao andar pelas ruas da cidade, se incomoda com os cavaletes que teimam em ficar, nem que seja por três meses, no meio do caminho.
Quando passa por uma esquina, reclama que o outdoor do candidato está poluindo visualmente o município; idem com as faixas e cartazes colocados nos postes.
Quando há comício, protesta que o barulho atrapalha e invade sua privacidade; ao ver um candidato andando pelas ruas e cumprimentando pessoas, reclama e fala em oportunismo.
Quando há uma chance de conhecer os candidatos num debate pela TV, ele prefere assistir o futebol - o evento da Band, há 11 dias, teve só três pontos de audiência, em média, contra 30 de São Paulo x Inter transmitido pela Globo.
As mudanças na legislação eleitoral feitas nos últimos anos podaram muitos excessos.
Os showmícios foram proibidos porque se tornaram, à custa de atrações musicais, chamarizes de votos para os políticos que se associavam aos cantores.
Mas, sem os artistas, Zé não vai se animar a sair de casa para ouvir um candidato discursar. Portanto, comícios, embora permitidos, deixaram de ser feitos, porque não há interesse nem dos políticos nem dos eleitores.
Assim, o período mais importante na mudança de rumos de um País e do Estado está se passando de forma despercebida.
Na fase em que o mais importante é o debate e o aparecimento para a população, todos se veem “amarrados” e com medo de serem enquadrados pela Justiça Eleitoral ou por pessoas como Zé, que não gostam de panfletos em casa, outdoors, faixas, cartazes, cavaletes ou debates.
A eleição presidencial norte-americana de 2008, que consagrou a vitória de Barack Obama, se tornou emblemática não só por culminar na conquista de um negro do mais alto posto político da maior potência econômica mundial, mas por mostrar como o processo mobilizou eleitores por vários meses.
Sim, um ano antes do pleito, já havia debates, megaeventos e publicidade a todo o vapor.
Mas por estas bandas fazer um debate presidencial na TV, daqui a pouco, animará Silvio Santos a colocar, com competitividade, o seriado “Chaves” (com todo e merecido respeito pelo programa).
Da mesma forma como o Brasil perdeu Copas do Mundo com excesso de exposições (2006) e com excesso de proibições (2010), o debate político no país não evoluirá com uma legislação excessivamente proibitiva como a atualmente vigora, nem com liberações para abusos como ocorriam até os anos 90.
É preciso revê-la antes que chatice atual se perpetue.
Três meses (e é pouco tempo) de panfletos, cartazes e outdoors são suportáveis, punindo-se, é claro, os abusos.
A inanição e a indiferença de pessoas como Zé é que são insuportáveis e perigosas.
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