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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Para ver

A rua estava estranhamente deserta quando saí de casa.

Naquela época, tínhamos permissão da Prefeitura para fechar, com cavaletes, os limites do quarteirão, o que proporcionava, nos fins de semana, a presença de várias pessoas na rua. Mas o dia estava esquisito, ninguém saía de frente da televisão.

“Estragou meu domingo”, disse-me o único vizinho com quem troquei palavras, antes de voltar para casa e ouvir o fato do qual ninguém queria tomar conhecimento e que o repórter Roberto Cabrini jamais pensou em noticiar.

No dia seguinte, a professora avisou, logo pela manhã, no início da aula, que a escola dispensaria todos mais cedo.

Para nós, moleques de 10 anos, sair antes do horário era uma alegria, aproveitávamos o tempo para uma disputa de bolinha de gude ou qualquer outro passatempo.

Mas, naquela ocasião, todos queriam ver um enterro. A brincadeira foi trocada por um sepultamento ao vivo pela televisão.

E quando o carro dos bombeiros atravessou São Paulo levando o corpo de Ayrton Senna sob aplausos e reverência dos brasileiros, o silêncio das ruas de Limeira e do País indicava que todos pararam para, em espírito, despedir-se.

Depois de Senna, nenhum outro piloto morreu nas pistas de Fórmula-1. Como, bem ressaltado pelo jornalista André Fontenelle (Revista Época), se isso fosse seu último legado ao esporte que amava: a morte dele serviu para que o mundo automobilístico tomasse medidas de segurança mais efetivas.

A saída de cena repentina e precoce de Senna não mudou apenas os sistemas de proteção aos pilotos. Indireta e infelizmente, tornou o esporte mais chato. Encerrou um tempo marcado por pilotos que, antes de tudo, eram esportistas e acreditavam que o esporte, por meio de exemplos, é um reflexo da vida e, assim, influencia as pessoas.

Numa época em que interesses e jogos de equipe fazem o torcedor ver seu piloto favorito entregar vitória a outro a poucos metros da bandeirada final, é fantástico rever o vídeo do Grande Prêmio do Japão de 1991, em que Senna, já campeão, na reta final abre espaço para o companheiro Gerhard Berger vencer pela primeira vez com a equipe McLaren.

Por isso, o documentário “Senna”, que estreou sexta-feira em todo o País, é uma oportunidade imperdível para se conhecer ou lembrar a trajetória de um piloto que, passados 16 anos de sua morte, permanece como um exemplo raro de que o esporte mobiliza e sensibiliza as pessoas.


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