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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O real perigo

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 27 de setembro de 2010:

O Brasil político, que acordará na próxima segunda-feira, terá muitas coisas sobre em que debruçar e pensar.

Se os resultados das últimas pesquisas forem confirmados nas urnas, a candidata da situação terá, além da possibilidade de prolongar um modelo de governo por, no mínimo, mais 4 anos, com chance de outros 4 - se Lula voltar, em tese em 2018, chegaria até 2026? -, um Congresso dos sonhos.

As duas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado, que têm como função, entre outras, fiscalizar o Executivo, serão formadas em sua maioria por aliados.

Nem mesmo o presidente Lula, político cuja popularidade será ainda bastante explicada nos livros de história, teve tantos aliados como Dilma Rousseff pode ter.

Para o Executivo, é um mar de rosas. Impõe a agenda que quer, do modo que escolhe. Mas será que isso é bom para a sociedade?

Nas últimas duas décadas, PT e PSDB se tornaram o Fla x Flu da política. Por culpa do fisiologismo, todos os demais partidos se enfraqueceram ideologicamente, e a maioria sempre esteve do lado de quem está no poder.

O risco de termos apenas duas correntes predominantes é que o objetivo de uma se torna, necessariamente, derrubar a outra.

O PT fez isso quando esteve na oposição e saiu às ruas clamando o “Fora FHC” a qualquer pequena crise que o governo enfrentava.

A oposição atual teve seu ápice na época do mensalão.

De um lado, o presidente de um ex-partido (PFL) dizendo que “estaríamos livres dessa raça (petistas) por 30 anos”. Do outro, mais recentemente, Lula falando que “é preciso extirpar o DEM (ex-PFL) da política”.

Um cenário róseo pretendido por um governo pode descambar para a subserviência patética.

O cenário atual da Câmara Municipal de Limeira é um bom retrato disso.

A blindagem feita por vereadores governistas ao longo de todos esses anos, com tantos indícios de irregularidades já identificados em inúmeros contratos feitos pelo governo Sílvio Félix, é vergonhosa.

Agora, com as novas revelações do caso da merenda, os aliados (ainda?) terão necessariamente de trabalhar, o que tinham de ter feito, em função do cargo que ocupam, há muito tempo, mas não o fizeram porque... partilharam a agenda do Executivo, acima dos interesses da sociedade.

Uma oposição fraca é ruim. Inexistente, pior ainda.

O resultado das eleições de domingo deve proporcionar a tucanos e democratas uma reflexão sobre como fazer uma nova oposição, que reconheça a nova face do Brasil e se volte a ela.

Do lado do governo, o convívio com as críticas terá de ser aprimorado.

É exagero dizer que estamos perto de um Estado autoritário e de ameaça à liberdade de imprensa.

Há críticas de um lado, e respostas críticas de outro. O Brasil não retrocederá neste aspecto.

O real perigo é a oposição e situação manterem o instinto de extirparem-se uns aos outros, e perderem a chance de fazer o País avançar através das reformas que precisam ser feitas, passado o dia 3 de outubro.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

De Erenices a Tiriricas

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 20 de setembro de 2010:

A ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, saiu do cargo merecidamente.

Não devido à condenação feita pela mídia sem que houvesse a instalação de inquérito e o direito à defesa ampla e ao contraditório, como prevê a Constituição e sumariamente ignorados, nem mesmo às declarações feitas por um empresário condenado pela Justiça por crimes de receptação e coação.

Mereceu sair porque, em meio ao bombardeio, descobriu-se que, como José Sarney, tem familiares alastrados pelo governo em postos comissionados, preenchidos por indicação, e não por competência via concurso.

Vem à tona que a irmã de Erenice, em cargo chave no Ministério de Minas e Energia, autorizou a contratação de escritório de advocacia do qual seu irmão é sócio, sem licitação.

Não há, aparentemente, nada de ilegal na operação, mas, no mínimo, não é ético. Muito menos se tratando de parentes de sangue de quem ocupa o cargo mais importante na Administração Pública Federal depois do presidente da República.

Esse aparelhamento sutil, feito nas entranhas da máquina pública, é típico de quem não sabe separar o público do privado, missão básica para quem vai ocupar cargo num órgão mantido às custas do contribuinte.

Essa distinção Erenice, se teve um dia, jogou-a no lixo quando, ao defender-se das acusações, usou papel timbrado da Presidência (institucional, público, portanto) e citou indiretamente José Serra como candidato “aético e já derrotado”, misturando governo e campanha inapropriadamente.

Demissão merecida, assim como Sarney deveria ter saído quando sua árvore genealógica no Senado foi exposta em 2009.

Erenice não é e nem tem a envergadura política de Sarney, mas ambos são exemplos de uma patologia que a sociedade não conseguiu eliminar: o patrimonialismo.

Não, leitor, isso não existe só em Brasília, em Limeira mesmo tem candidatos a deputados federais condenados pela Justiça por terem empregado parentes.

Ouço reclamações sobre a possibilidade (real) de Tiririca eleger-se deputado federal.

O palhaço deve ser eleito porque representa o que é e o que pensa parte significativa do País sobre política.

Pode-se rachar essa culpa entre os políticos que ajudaram a formar essa imagem e seus respectivos eleitores. Mas é a pura realidade política do País, incluindo aí as Erenices, os Sarneys e os que escolhem de qualquer jeito seus governantes quando têm a possibilidade de ajudar a alterar esse panorama.

Ferida não cicatrizada

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 13 de setembro de 2010:

Há alguns anos, ao fazer uma pesquisa na internet, topei com o site desciclo.pedia, uma espécie de antítese da Wikipédia (enciclopédia livre na internet), que faz inúmeras sátiras - muitas criativas, outras pejorativas - a respeito de termos.

No verbete “Limeira”, chama a atenção a relação de empreendimentos que faliram no município, entre eles, obviamente, o Limeira Shopping Center, exemplo mais marcante.

Cansei de ouvir de amigos que moram em outras cidades a mesma interrogação que muitos limeirenses fazem. “Como é que pode até um shopping falir em Limeira?”.

O assunto é complexo, trata-se de empreendimento administrado pela iniciativa privada, mas a falência do Limeira Shopping deixou um estigma que ainda perdura, de que é difícil um negócio avançar em Limeira.

A desativação da antiga refinaria da União em 2008, deixando um elefante-branco no Centro da cidade, só aprimorou esse pensamento negativo, infelizmente.

Em 2005, ao fazer uma ampla reportagem para o jornal da faculdade sobre os efeitos do fechamento do shopping, firmei convicção de que a melhora da autoestima dos limeirenses quanto à prosperidade de negócios passa necessariamente pela reativação do antigo shopping.

Não faltam exemplos de empreendimentos bem-sucedidos nos últimos anos - o Shopping Pátio é um -, sustentados pela labuta quase solitária de persistentes empresários, mas, a todos que passam pela Rodovia Anhangüera, o abandono de um shopping, diante do potencial que se espera de um empreendimento desse porte em ótima localização, reforça o estigma de que nada dá certo no município.

Por isso, vejo que a intervenção da Prefeitura no sentido de encurtar a volta do antigo Limeira Shopping é extremamente positiva, apesar de críticas severas de muitos que acham inoportuno gastar R$ 11 milhões num prédio deteriorado.

Pessoas que acompanham o processo de falência do antigo shopping são unânimes em afirmar que, se esperarmos o desenlace na Justiça, é grande chance de se perder mais um década em função das infindáveis possibilidades de recursos que nosso sistema jurídico permite.

Em transações que envolvem muito dinheiro, é salutar que haja uma fiscalização dessa operação, e aí sim caberia, por exemplo, a constituição de uma comissão na Câmara para acompanhar o assunto.

A volta do Limeira Shopping é mais que uma opção de compra aos consumidores limeirenses; significa, também, virar uma página triste que ajudou a perpetuar em Limeira uma pecha negativa de frustração nos negócios, ferida que insiste em não cicatrizar-se.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A construção do voto

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 6 de setembro de 2010:

Do outro lado da linha telefônica, uma senhora pigarreia, antes de fazer uma pergunta: “Vocês publicaram uma matéria sobre os vereadores [eram 10 de 14] que faltam às sessões. Quando vão mostrar os que não faltam?”.

Respondo-lhe que os nomes estão no mesmo texto. Ela insiste em saber; peço uns minutos para localizar o texto e dizer-lhe o que deseja.

Assim que nomeio os assíduos de janeiro de 2009 a julho deste ano, ela justifica-se, mesmo sem eu perguntar. “Gosto de acompanhar, para quando chegar a época de pedir voto a gente saber sobre quem está pedindo, né?”.

A explicação aguçou minha curiosidade, visto que os 4 que não faltam às sessões da Câmara não são candidatos nas urnas do próximo mês. “Mas depois dessa tem outra”, disse, referindo-se às eleições municipais de 2012.

A observação que essa eleitora faz, infelizmente, é um oásis diante do imenso desinteresse de milhões de brasileiros com a política e os movimentos eleitorais.

Ainda na última semana, audiência pública eleitoral conduzida pela Justiça de Limeira levou poucas pessoas ao Fórum, inclusive pessoas ligadas a partidos políticos.

No plenário da Câmara local, a baixa frequência de espectadores é rotina.

Pesquisa recente da Limite Consultoria, a pedido da Gazeta, apontou que 86,6% dos eleitores não se lembram em quem votaram para deputado há quatro anos.

Acompanhar o desempenho de um político eleito é tarefa que, além de difícil, é feita por poucos.

A grande imprensa tem dívida histórica com seus eleitores na cobertura do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas em relação a projetos e discussões que tramitam nas Casas, que são preteridos diante da possibilidade de explorar os escândalos políticos - também importantes.

Quando estive em Brasília, me surpreendi com a quantidade de projetos de evidente interesse público noticiados nos jornais da Câmara e do Senado, e que estão fora de cobertura da grande mídia.

Geralmente, só sabemos do projeto quando este já foi aprovado e não há mais possibilidade de discutir.

Somos chamados a decidir quem nos administrará a cada dois anos.

A eleição daqui a um mês é mais completa desde 2002, quando mudaremos dois terços do Senado, além de presidente, governador e deputados estadual e federal.

Apesar das dificuldades impostas pelo dia a dia e com a falta de informações, o interesse da eleitora em saber quem está presente nas sessões da Câmara é um bom exemplo de que é possível avaliar quem está na vida pública e construir o voto a longo prazo.

Um mês é pouco tempo, mas melhor decidir em 30 dias que de última hora.

Elaborar um bom voto é fortalecer a cidadania.