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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O mundo como ele é

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 13 de dezembro de 2010:

Ser sincero é uma virtude. Mas ninguém é 100% sincero o tempo todo.

Isso não é uma característica ruim, mas contingente, altamente necessária e inevitável quando temos, como ponto de partida, as causas que dão origem a este comportamento.

Aquele evento que não foi o que você esperava, por exemplo. Você fala consigo mesmo ou, na necessidade de compartilhar essa impressão, aborda-a casualmente num comentário com terceiros. Longe de quem promoveu o evento.

É apenas um sentimento externado que não fica bem torná-lo público ou estendê-lo a mais pessoas.

Fazemos isso direto, muitas vezes sem perceber. Quando fica em nossa mente, é só um pensamento; quando sai pela boca, vira fofoca; quando se torna público, transforma-se em algo constrangedor.

Vejam que o “problema” não está na essência do comentário, mas na dimensão que ele toma.

Há vários exemplos rotineiros em nosso cotidiano de nossa insinceridade.

De noite, você esbraveja quando o barulho do vizinho passa dos limites e incomoda. No dia seguinte, deseja-lhe bom dia e comenta as notícias de última hora.

Isso é viver em sociedade. Interpretamos diferentes papéis nas comunidades em que vivemos.

Temos, em essência, apenas uma personalidade, mas, por força da ocasião, adotamos atitudes diplomáticas que muitas vezes nos forçam a um comportamento que não expressa o que realmente sentimos. Isso não é ser farsante, mas, no fundo, tolerante e sociável.

Quando o WikiLeaks, site que vazou documentos secretos norte-americanos, revela que, para os EUA, o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, é fraco, displicente, ineficiente e gosta de festas selvagens, ou que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, exibe “olhos de assassino” quando se refere à Chechênia, por mais constrangedor que seja, desnuda impressões reais.

Como disse o professor Matias Spektor, da FGV, “mostra que o mundo não é feito de branco e preto, mas de tons de cinza”.

Por mais discutíveis que sejam os métodos como obtém os dados, o WikiLeaks revela o preço que se paga quando se é sincero demais – os EUA, agora, correm para apagar os “incêndios” diplomáticos.

O que foi revelado é o mundo como ele é, nas palavras do fundador do site, Julian Assange.

E reforça, acima de tudo, uma frase atribuída ao escritor Oscar Wilde: “Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal”.

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