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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Além de uma prisão no escuro

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 7 de junho de 2010:

O bairro estava escuro. A abordagem foi rápida. Dois jovens são conduzidos à parede de um muro, mãos na cabeça.

O PM conduz a conversa, perguntando a um dos detidos se ele era traficante. A negativa vem, mas não convence.

Há uma confissão, como se fosse suficiente para mudar o panorama penal. O rapaz murmura que é apenas um usuário de maconha.

O militar diz que irá procurar atrás do muro e que, dependendo do que encontrar, irá enquadrá-lo. Uma busca simples revela o esconderijo da droga. E há variados tipos de entorpecentes, em quantidades nada pequenas para quem diz que só consome.

O suspeito detido já não tem como negar. “Sou viciado em coca, sinhô! E também em maconha. E também em...”.

Nas cenas seguintes, vemos os PMs indo até a residência do jovem, uma moradia simples da periferia de São Paulo, no extremo de uma baixada.

Encontram o pai do rapaz. Que se desespera, mais uma vez.

Sua fala é um indicativo de quem não sabe o que fazer. Avisa aos policiais que ali só mora gente trabalhadora, de bem.

O militar pergunta a respeito do filho que acaba de ser detido. “Ah, senhor, esse é o único que não quer trabalhar. Chego em casa, pergunto à minha mulher onde ele está, e ele está por aí...”.

Não é a primeira vez que o rapaz é preso. Nada indica que será a última.

O drama que relato é apenas um dos exibidos num programa curioso - e polêmico - lançado pela TV Bandeirantes no mês passado, chamado “Polícia 24 horas”.

Equipes da emissora acompanham e documentam a rotina dos policiais, nas mais diversas abordagens; de homicídios a apreensão de drogas, de brigas de vizinhos à prisão de um suspeito de abuso sexual contra a própria neta.

Nunca tive apreço por esses programas policiais, boa parte deles sensacionalistas, que desde a década passada se tornaram frequentes nas grades de programação.

Mas o que desperta a reflexão nesse programa, em específico, é o grau de dramatização existente em cada história abordada, e a necessidade, por parte das corporações policiais, de ter, numa mesma operação, sensibilidade e firmeza, quando cada uma for precisa, para atuar nas mais diferentes situações.

O que não é fácil, já que os integrantes de nossas polícias são, também, reflexos da cultura brasileira, e sujeitos aos mesmos dramas vividos pelos suspeitos que prendem.

Não é preciso ir longe para se deparar com dramas reais. Numa mesma semana, esta Gazeta mostrou que, desesperadas, algumas famílias estão acionando a Justiça para conseguir internar os filhos com o objetivo de livrá-los das drogas, e o número de crianças vítimas de abuso sexual atendidas pelo programa Pérola aumentou em seis meses.

A questão é: temos uma sociedade preparada - incluindo polícias, escolas, poder público, Justiça, entidades, entre outros - para, de forma madura, compreender a dimensão e a complexidade dos dramas escondidos, por exemplo, atrás da detenção do rapaz que relatei no início?

Creio que não, mas examinar com profundidade essas situações é um caminho que pode e deve ser insistentemente percorrido por todos.

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