Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 19 de julho de 2010:
Em 2003, o autor deste texto nem cursava a faculdade de jornalismo; Saddam Hussein era presidente do Iraque; Barack Obama tentava pela segunda vez se eleger senador no Estados Unidos; o ataque do Corinthians era formado por Liedson e Gil.
E duas crianças limeirenses, na tentativa de recuperar uma pipa artesanal, arremessaram uma pedra que atingiu e danificou o para-brisa de uma viatura policial.
Faz três anos e meio que Saddam morreu enforcado e o Iraque vive mergulhado numa guerra sem fim; Obama virou o primeiro presidente negro da história do EUA; Liedson hoje joga pela seleção de Portugal, e Gil vive no esquecimento, dispensado pelo Flamengo após amargar a reserva.
E, pasmem, só no último dia 2 de julho a Justiça de Limeira decidiu: os pais das crianças são responsáveis pelo dano que os filhos provocaram no carro da polícia e terão de pagar reparação. Diz o juiz Adilson Araki Ribeiro: “O fato pode ser enquadrado como infantil ou corriqueiro, mas o Estado não pode ser responsabilizado”.
Valor cobrado: R$ 207,50.
Sim, por sete anos, servidores públicos e toda a burocracia estatal foram mobilizados para que se cobrasse na Justiça uma quantia irrisória de uma brincadeira inadvertida de duas crianças.
Faço questão de citar esse caso para discutir um segundo ponto, mais recente: na semana passada, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que, se aprovado, proibirá pais de darem palmadas e beliscões em crianças e adolescentes, com o objetivo de acabar com a banalização da violência dentro de casa.
Se as palmadas forem reiteradas, poderão culminar até na perda da guarda pelos pais.
O objetivo desta lei é elogiável, mas banalização da violência em casa pode - e deveria - ser combatida com uma outra pedra, bem mais fundamental que aquela arremessada pelas duas crianças limeirenses que causaram um profundo rombo de R$ 207 nos cofres do Estado: educação.
Pedra essa que é responsabilidade de nosso poder público e que, mesmo com os avanços obtidos, ainda tem muito o que evoluir, já que um aluno que finalizou o segundo ano do ensino médio na rede pública sabe o mesmo que um estudante concluinte do ensino fundamental na rede particular.
Enquanto nossos nobres representantes de Brasília investirão seus onerosos tempos bancados com o dinheiro do contribuinte brasileiro para discutir e tornar lei a proibição de uma palmadinha em casa, ninguém está preocupado em mudar a estúpida burocracia estatal que, além de se ocupar com o para-brisa de uma viatura policial, dará, 25 anos depois, aos herdeiros de 157 aposentados limeirenses o dinheiro que, na década de 80, marcada pela inflação e pela economia em crise, seria valioso. Como a Gazeta mostrou ontem, todos morreram sem ter o que era de direito.
Creio que temos coisas mais importantes para discutir do que uma palmadinha ou demorar 7 anos cobrando na Justiça uma pedrada de criança.
Cada problema deve merecer a atenção de acordo com a sua dimensão.
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