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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Não era para estar lá

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 26 de julho de 2010:

Ouvi isso de muitas pessoas que comentaram a morte do músico Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães, por atropelamento na madrugada da última terça-feira.

Afinal, o túnel onde ocorreu o acidente estava interditado para manutenção e 1h30 é um horário pouco convencional para manobras de skate.

Mas o carro do atropelador que o matou, pelo mesmo motivo de interdição, também não era para estar naquele túnel, ainda mais em alta velocidade e, pelas apurações iniciais, tirando um “racha”, ato proibido pelo artigo 308 do Código de Trânsito Brasileiro.

E, do contrário, era para estarem lá, na boca do túnel, agentes de fiscalização que pudessem notar uma invasão, seja por pedestre, skatista ou motorista.

Também não era para estarem lá os dois soldados da PM que, em vez de deterem o atropelador, teriam pedido propina de R$ 10 mil e combinado de receber o dinheiro depois, isso tudo enquanto o jovem agonizava dentro do túnel.

Como também não era para acontecer a abordagem que esses mesmos PMs fizeram, de não pararem o carro suspeito de participar de racha para averiguação e que tinha indícios claros de problemas, conforme reconheceu o comando da PM no Rio.

Da mesma forma, não era para o Siena ter sido levado a uma oficina mecânica com o objetivo de ser consertado antes mesmo de passar por uma perícia – se os PMs não tivessem liberado o carro, este não teria sido mexido.

Mas, ainda assim, tudo o que não era para estar naquele túnel ou acontecido estava lá e aconteceu, desde o péssimo monitoramento de tráfego de um ponto interditado para passagem até a relapsa e reprovável conduta adotada pelos PMs.

E o resultado de toda essa sucessão de erros foi a vida de um jovem ceifada aos 18 anos.

Fatalidade é uma palavra sempre associada a vidas perdidas no trânsito.

Mas uma observação atenta às circunstâncias de uma tragédia fará, certamente, surgirem duas outras palavras: imprudência e negligência.

A morte do estudante limeirense Luiz Guilherme Boim, ocorrida na Avenida Dr. Fabrício Vampré em maio, aparentemente era uma fatalidade.

Mas a via recapeada recentemente não tinha sinalizações de solo, o que permitia todos os leques possíveis de imprudência dos motoristas.

Enquanto a sociedade não passar a encarar o trânsito como algo que mereça tanta atenção quanto questões como educação, saúde, segurança ou lazer, vidas continuarão a ser esfaceladas, independentemente se elas deviam ou não estarem em determinado local – lamentar depois, quando não há volta, é tão terrível quanto ajudar a perpetuar a selvageria nas ruas.

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