Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 1º de novembro de 2010:
Monteiro Lobato escreveu, num texto autobiográfico, que perdeu muito tempo escrevendo para gente grande.
Hoje, 77 anos depois, essa mesma gente grande considera inadequada a obra “Caçadas de Pedrinho”, um clássico da literatura infantil, e quer proibi-la de ser abordada nas salas de aula, por entender que há passagens que estereotipam o negro e o universo africano. Isso estimula o racismo, acredita o Conselho Nacional de Educação (CNE).
Trata-se de uma carolice descabida.
Repudio qualquer demonstração de intolerância racial, mas é preciso contextualizar a obra, a época e o público ao qual se destina a fantasia de Lobato.
Quando pequeno, “devorei” as histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, assim como milhões de pessoas o fizeram na infância.
Nem por isso tornei-me intolerante. Histórias em quadrinhos também fizeram parte minha infância, em que heróis matavam pessoas do mal após batalhas cruéis, com direito a muito sangue derramado. Vai ser proposto também o recolhimento de gibis das bancas sob alegação de mau exemplo às crianças?
Um dos temores de nosso “Nobre Conselho” é de que professores despreparados não saibam abordar o conteúdo de “Caçadas de Pedrinho” - engraçado constatar, para ficar num só exemplo, que não há rebeldia do órgão contra o fato de professores eventuais em São Paulo trabalharem meses sem ver a cor do dinheiro.
Preocupação extremamente válida, mas é preciso, primeiro, perguntar aos mestres se eles estão recomendando a literatura de Lobato nas salas de aula.
Volto a um exemplo pessoal. Descobri a obra do escritor em casa, por influência de pessoas de minha família. Não me lembro de ter tido um professor que abordasse na classe qualquer livro de Lobato.
Pior que isso e que deveria ser analisado pelo “Nobre Conselho”: não li toda a saga de Pirlimpimpim porque a biblioteca da escola onde estudava tinha poucos livros de Lobato.
Não caberia, antes de proibir um livro, determinar uma ampla auditoria para verificar como estão as bibliotecas públicas do País, se elas têm as obras e desenvolvem trabalhos educativos aos estudantes?
Aposto que essa fiscalização renderia vários itens a serem debatidos pelos conselheiros, muito mais importantes que a implicância com a descrição de Tia Nastácia.
No reino do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Dona Benta foi descrita por Lobato como uma rainha que permite liberdade absoluta aos seus súditos, que também governam.
Narizinho e Pedrinho são as crianças de ontem, de hoje e amanhã.
Lá, sempre foram possíveis viagens à Antiga Grécia, à Lua, à Via Láctea, a Hollywood, ao País da Gramática.
No lugar em que a boneca falante dá lições, as porteiras deveriam ser fechadas para os adultos politicamente corretos que veem, na proibição, a fuga mais fácil ante a difícil e honrosa tarefa de educar.
Proibir é coisa de gente grande; prefiro escrever para os que, mesmo adultos, não perderam o espírito de encantamento que toda criança tem e muito menos capacidade de imaginação que dá criatividade para fazermos algo novo a cada dia.
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