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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Faces da ausência do Estado

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 29 de novembro de 2010:

“Hoje, com certeza, a Vila Cruzeiro pertence ao Estado”, dizia na última quinta-feira o subchefe operacional da Polícia Civil do Rio, Rodrigo de Oliveira. Na mesma data, o secretário de Segurança Pública local, José Mariano Beltrame, dava o tamanho da dimensão da fuga em massa dos traficantes exibida ao vivo pela TV. “Os problemas não são só do Rio de Janeiro, mas de um país que tem uma série de episódios internacionais pela frente”.

Comentar segurança pública longe do front é complicado para nós, jornalistas, mas estas duas frases chamam a atenção em meio ao debate público que se instalou após o Estado do Rio decidir confrontar os traficantes que dominam os morros há décadas.

Quanto à primeira, cabe um lembrete: em 2008, o Bope, unidade que ganhou o País no filme “Tropa de Elite”, ocupou a favela da Vila Cruzeiro, estendendo até sua bandeira como demonstração de que havia superado o tráfico.

Nesses dois anos, o que mais o Estado fez para combater o tráfico local, além dessa ação pontual? Esse bairro especificamente não possui Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), política alardeada pelo governo Sérgio Cabral, por... falta de efetivo.

Sem policiais, a Vila Cruzeiro concentrou as lideranças do crime do Rio, e virou o barril de pólvora que vemos atualmente. Para combater o tráfico, ações policiais não bastam; o Estado tem de prover assistência em oportunidades, lazer, cultura, ações de cidadania, em conjunto com a sociedade civil.

Quanto à nacionalização do problema: em 2006, quando o Estado de São Paulo foi acuado pela facção Primeiro Comando da Capital (PCC), não ouvíamos este discurso “amplo”. Todos os Estados têm problemas de segurança, e são os respectivos governos responsáveis pelas políticas na área.

Assim como o PCC cresceu junto com a falência do sistema penitenciário paulista, o tráfico nos morros cariocas se avolumou por absoluta ausência do Estado local - em alguns casos, também por conivência ou complacência.

Os “episódios internacionais” citados por Beltrame (Copa do Mundo em 2014 e Olimpíada dois anos depois) são chances para modificações profundas no País, mas a construção de uma cidade ou país seguro passa necessariamente por ações diárias localizadas, com presença constante - e protagonista - do Estado. Ocupar a Vila Cruzeiro, ou qualquer outro reduto do tráfico no País, de dois em dois anos, definitivamente, não vai resolver.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Constrangimento injusto

A invasão na sede do Centro de Promoção Social Municipal (Ceprosom) na madrugada de terça-feira passada, a 3ª ocorrida neste ano, expôs mais uma vez a precariedade na infraestrutura da corporação responsável em zelar pelos prédios municipais.

Siddhartha Carneiro Leão é um dos poucos secretários que estão à frente de suas pastas desde o início do governo Sílvio Félix, em 2005.

Delegado com importantes trabalhos executados na Polícia Civil, ele foi chamado para comandar a Guarda Municipal, e sua gestão transformou a corporação numa força de segurança atuante, que dá ajuda substanciosa à Polícia Militar.

Quando soube pela repórter Renata Reis do novo arrombamento, o secretário tentou reagir, mas a fala de um subordinado foi captada pela jornalista. “Não tem de onde tirar guarda, doutor”.

Há um déficit semanal de 30 GMs por causa de exames de porte de arma, mas deixar uma autarquia municipal, que já fora assaltada duas vezes, descoberta na madrugada de um feriado, é inadmissível.

Não é de hoje que a GM é foco de críticas. Nos últimos 2 meses, reportagens deste jornal mostraram viaturas sucateadas, outras paradas em oficinas sem previsão de manutenção, algumas nas ruas com pneus “carecas”, peças de painel destruídas e assentos soltos.

Um guarda resumiu bem o que é e não é prioridade na Prefeitura: “Tem requerimento de R$ 200 que o prefeito barra para a GM, mas de R$ 2 mil que ele libera para outras secretarias”.

Não era para ser assim. Em 2007, a Prefeitura obteve do governo federal verbas para um programa de segurança municipal, focado na GM. Agora, a Polícia Federal quer saber se o dinheiro foi aplicado onde deveria ter sido, investigação que desgastará, mais uma vez, a corporação que deveria ser motivo de orgulho para Limeira.

Sem dinheiro? O orçamento para 2011 cresceu 37% e está quase na casa dos R$ 600 milhões, afora o fato de que Félix quer, ainda, obter empréstimos financeiros no exterior. Não é o caso.

Gestores e agentes dispostos a fazer um trabalho que dignifique a Guarda Municipal não são problemas.

O que falta é o alto escalão da Prefeitura dar, à Secretaria de Segurança Municipal, a prioridade que o órgão merece por ter conquistado, ao longo dos últimos anos, importância que o desautorize a passar por tantos constrangimentos injustos e evitáveis.

Para ver

A rua estava estranhamente deserta quando saí de casa.

Naquela época, tínhamos permissão da Prefeitura para fechar, com cavaletes, os limites do quarteirão, o que proporcionava, nos fins de semana, a presença de várias pessoas na rua. Mas o dia estava esquisito, ninguém saía de frente da televisão.

“Estragou meu domingo”, disse-me o único vizinho com quem troquei palavras, antes de voltar para casa e ouvir o fato do qual ninguém queria tomar conhecimento e que o repórter Roberto Cabrini jamais pensou em noticiar.

No dia seguinte, a professora avisou, logo pela manhã, no início da aula, que a escola dispensaria todos mais cedo.

Para nós, moleques de 10 anos, sair antes do horário era uma alegria, aproveitávamos o tempo para uma disputa de bolinha de gude ou qualquer outro passatempo.

Mas, naquela ocasião, todos queriam ver um enterro. A brincadeira foi trocada por um sepultamento ao vivo pela televisão.

E quando o carro dos bombeiros atravessou São Paulo levando o corpo de Ayrton Senna sob aplausos e reverência dos brasileiros, o silêncio das ruas de Limeira e do País indicava que todos pararam para, em espírito, despedir-se.

Depois de Senna, nenhum outro piloto morreu nas pistas de Fórmula-1. Como, bem ressaltado pelo jornalista André Fontenelle (Revista Época), se isso fosse seu último legado ao esporte que amava: a morte dele serviu para que o mundo automobilístico tomasse medidas de segurança mais efetivas.

A saída de cena repentina e precoce de Senna não mudou apenas os sistemas de proteção aos pilotos. Indireta e infelizmente, tornou o esporte mais chato. Encerrou um tempo marcado por pilotos que, antes de tudo, eram esportistas e acreditavam que o esporte, por meio de exemplos, é um reflexo da vida e, assim, influencia as pessoas.

Numa época em que interesses e jogos de equipe fazem o torcedor ver seu piloto favorito entregar vitória a outro a poucos metros da bandeirada final, é fantástico rever o vídeo do Grande Prêmio do Japão de 1991, em que Senna, já campeão, na reta final abre espaço para o companheiro Gerhard Berger vencer pela primeira vez com a equipe McLaren.

Por isso, o documentário “Senna”, que estreou sexta-feira em todo o País, é uma oportunidade imperdível para se conhecer ou lembrar a trajetória de um piloto que, passados 16 anos de sua morte, permanece como um exemplo raro de que o esporte mobiliza e sensibiliza as pessoas.


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Que sejam 1.038 exemplos

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 8 de novembro de 2010:

Em 2005, escrevi, ainda no período da faculdade, um artigo (www.iscafaculdades.com.br/nucom/comentario_15.htm) sobre o início da popularidade dos blogs como plataforma de comunicação.

Na ocasião, os jornais avaliavam a viabilidade dessa ferramenta. Naquela época, uma questão intrigante era a instantaneidade da informação lançada na rede pelo autor do blog, misturada às percepções do transmissor, também passadas diretas aos leitores.

Hoje, o blog é uma realidade consolidada e, mais que usado com meio informativo, permitiu a expansão da liberdade de expressão. Qualquer pessoa pode criar seu blog e nele escrever sua opinião sobre tudo.

Cinco anos depois, uma outra ferramenta se popularizou, o Twitter, que se caracteriza pelas mensagens curtas e sintetizadas. Como o blog, qualquer pessoa pode criar um perfil no Twitter e nele escrever o que quiser, sobre qualquer tema, a qualquer hora e havendo rede de internet disponível.

A possibilidade de qualquer pessoa transmitir informação e emitir sua opinião para milhares de outras via internet é tida por muitos como mais uma conquista de liberdade de expressão.

Porém, como toda nova ferramenta propiciada pelo avanço da tecnologia, novas preocupações surgem. Após a confirmação da vitória de Dilma Rousseff, uma estudande de Direito postou a seguinte mensagem no Twitter: "Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado" - Dilma teve vitória folgada sobre José Serra na Região Nordeste.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco ingressou notícia-crime contra a estudante, por crimes de racismo e incitação pública.

A ONG SaferNet já identificou e encaminhou ao Ministério Público Federal outros 1.037 perfis de usuários no Twitter que postaram mensagens de ofensas a nordestinos.

No ambiente da internet, em que a informação se propaga em velocidade, o cuidado em veicular um dado ou opinião deve ser redobrado, e esta discussão tem que estar presente nas escolas e nas casas.

A ideia de que a web é um território sem leis há muito está se desvanecendo. No caso em questão, a Polícia Civil em São Paulo já abriu inquérito para apurar casos de racismo nas mensagens, crime que, pela Constituição Federal, é inafiançável e imprescritível.

As reações das autoridades diante desta repugnante onda de ofensas podem ser determinantes para que novos paradigmas sejam estabelecidos no combate aos crimes cibernéticos.

Uma ampla investigação desses 1.038 perfis de usuários deve servir de exemplo para que todos pensem na responsabilidade do que escrevem e levam ao público na internet.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Às crianças de ontem, hoje e amanhã

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 1º de novembro de 2010:

Monteiro Lobato escreveu, num texto autobiográfico, que perdeu muito tempo escrevendo para gente grande.

Hoje, 77 anos depois, essa mesma gente grande considera inadequada a obra “Caçadas de Pedrinho”, um clássico da literatura infantil, e quer proibi-la de ser abordada nas salas de aula, por entender que há passagens que estereotipam o negro e o universo africano. Isso estimula o racismo, acredita o Conselho Nacional de Educação (CNE).

Trata-se de uma carolice descabida.

Repudio qualquer demonstração de intolerância racial, mas é preciso contextualizar a obra, a época e o público ao qual se destina a fantasia de Lobato.

Quando pequeno, “devorei” as histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, assim como milhões de pessoas o fizeram na infância.

Nem por isso tornei-me intolerante. Histórias em quadrinhos também fizeram parte minha infância, em que heróis matavam pessoas do mal após batalhas cruéis, com direito a muito sangue derramado. Vai ser proposto também o recolhimento de gibis das bancas sob alegação de mau exemplo às crianças?

Um dos temores de nosso “Nobre Conselho” é de que professores despreparados não saibam abordar o conteúdo de “Caçadas de Pedrinho” - engraçado constatar, para ficar num só exemplo, que não há rebeldia do órgão contra o fato de professores eventuais em São Paulo trabalharem meses sem ver a cor do dinheiro.

Preocupação extremamente válida, mas é preciso, primeiro, perguntar aos mestres se eles estão recomendando a literatura de Lobato nas salas de aula.

Volto a um exemplo pessoal. Descobri a obra do escritor em casa, por influência de pessoas de minha família. Não me lembro de ter tido um professor que abordasse na classe qualquer livro de Lobato.

Pior que isso e que deveria ser analisado pelo “Nobre Conselho”: não li toda a saga de Pirlimpimpim porque a biblioteca da escola onde estudava tinha poucos livros de Lobato.

Não caberia, antes de proibir um livro, determinar uma ampla auditoria para verificar como estão as bibliotecas públicas do País, se elas têm as obras e desenvolvem trabalhos educativos aos estudantes?

Aposto que essa fiscalização renderia vários itens a serem debatidos pelos conselheiros, muito mais importantes que a implicância com a descrição de Tia Nastácia.

No reino do Sítio do Pica-Pau Amarelo, Dona Benta foi descrita por Lobato como uma rainha que permite liberdade absoluta aos seus súditos, que também governam.

Narizinho e Pedrinho são as crianças de ontem, de hoje e amanhã.

Lá, sempre foram possíveis viagens à Antiga Grécia, à Lua, à Via Láctea, a Hollywood, ao País da Gramática.

No lugar em que a boneca falante dá lições, as porteiras deveriam ser fechadas para os adultos politicamente corretos que veem, na proibição, a fuga mais fácil ante a difícil e honrosa tarefa de educar.

Proibir é coisa de gente grande; prefiro escrever para os que, mesmo adultos, não perderam o espírito de encantamento que toda criança tem e muito menos capacidade de imaginação que dá criatividade para fazermos algo novo a cada dia.