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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O risco de sermos todos juízes

Artigo publicado na versão impressa da edição de 27 de agosto de 2012:

Desde quinta-feira, quando votou pela absolvição do deputado federal João Paulo Cunha dos crimes que lhe são imputados no processo do mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski é alvo de uma achincalhação pelo fato de ter tido entendimento contrário ao colega Joaquim Barbosa e ao procurador-geral da República.

Na internet e na mídia, especialmente formadores de opinião pública que não aceitam qualquer outro resultado que não seja o da condenação - que, sem serem juízes, já emitiram sua sentença -, avolumam-se críticas que resvalam na calúnia e aumentam a pressão para que, neste julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) só faça justiça se condenar todos como, parece demonstrado, a plateia quer.

O voto do ministro Lewandowski é apenas um entre os onze (ou dez, se Cezar Peluso não votar) que tomarão uma decisão. Assim, ele pode ser vencido caso a maioria dos colegas acompanhar o voto de Barbosa. Da mesma forma, pode ser o predominante caso o colegiado o aceite.

O mais grave, a meu ver, são as insinuações mais infames feitas contra Lewandowski (alguns já o chamam de militante do PT) por ele ter tomado um posicionamento, com os fundamentos que entendeu serem corretos, que diverge dos daqueles que, usando ou não fundamentos opostos, clamam pela condenação do réu em questão.

Obviamente, não entrarei na discussão se João Paulo Cunha, José Dirceu e os demais réus são culpados ou inocentes porque não tenho acesso aos autos, não conheço fundamentos jurídicos nem tenho competência para julgá-los. Quem tem todos estes requisitos são os ministros do STF.

No entanto, causa-me espanto como muitos com quem converso, mesmo estando nas mesmas condições que eu, já tenha sentença pronta antes de o julgamento se desenvolver por completo.

A consequência disso explica o que se passa hoje com Lewandowski, que tem, junto com seus colegas do Supremo, a responsabilidade de integrar a instância maior do Judiciário brasileiro: se tem entendimento diferente, sofre enxovalhamento.

Num lúcido artigo publicado quinta-feira no jornal O Estado de São Paulo, a jornalista Dora Kramer cita que as tentativas de se adivinhar o comportamento dos ministros reforçam a desinformação e a ideia de guerra na Corte, e passa aos brasileiros a impressão de que os juízes, e não os réus, estão sob o crivo da suspeita.

Adiciono: o comportamento obsessivo do brasileiro, em geral, de formar convicção, julgar e emitir sentença em público sem ser juiz nem ter o comportamento que se espera de alguém que tem de decidir (no mínimo, analisar a tese e a antítese), cria um ambiente perigoso, em que um ministro do STF, em sua legítima atuação, é enxovalhado por fazer seu ofício: julgar.

Num país em que todos são juízes, é o bom senso quem corre risco de perder espaço.

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