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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sobre o tempo

Artigo publicado na versão impressa da edição de 23 de janeiro de 2012:

Posso até imaginar a cena.

Numa sala ampla, com bons aperitivos a disposição, um grupo de pessoas de gravatas, de cientistas a diplomatas, se reuniu na semana passada para debater algo que atinge a Humanidade.

Não se trata de ameaça atômica, ditador sanguinário, epidemia global ou asteroide em rota de colisão com o planeta.

Eles discutem, há 10 anos, a necessidade de um segundo a mais em nossos relógios.

Para garantir uma sincronia dos relógios atômicos - cronômetros mais precisos do mundo - e a rotação da Terra, é acrescentado, de tempos em tempos, um segundo a mais - neste ano, isso acontecerá em junho.

Bobeira? Toda vez que essa adição é feita, há um gasto tido como considerável por alguns países, que precisam fazer alterações na indústria de telecomunicações, bancos, sistemas de navegação e, especialmente, de segurança.

Por isso, há um lobby para que esse segundo seja extinto. Por outro lado, um grupo de países alerta para o fato de que, eliminado este ajuste, em um século haveria uma diferença de um minuto entre os relógios e a rotação da Terra. E aí podemos calcular o impacto disso em um milênio...

O que esta mudança no tempo - um segundo, suficiente para determinar quem vence uma prova de natação ou atletismo, corrida de Fórmula-1 e de turfe, o bastante para que, na iminência de um ato, consigamos retardá-lo e evitar um arrependimento para o resto da vida -, tão profundamente discutida há uma década, impacta em nossa vida?

Não arriscaria dizer, caro leitor, mas num tempo em que o BBB domina a lista de notícias mais lidas, onde o entretenimento se sobrepõe à procura do conhecimento, num tempo que uma desconhecida vira celebridade instantânea, falada, ouvida, escrita em todo o país a partir de uma propaganda transformada em brincadeira nacional, é de refletir se o tempo que temos disponível, com um segundo a mais ou a menos, está sendo bem empregado e se o usamos para fatos que realmente importam, rendem conhecimento ou têm interesse coletivo, em detrimento do "nada" supervalorizado que ajudamos a dar corda.

Após dez anos de debates, o seleto grupo chegou a um consenso: deixar para resolver a questão em 2015.

Tempo suficiente para que os personagens do BBB, a supermãe de Taubaté - que não é supermãe coisa nenhuma - e a Luiza, não importando se ela está ou não no Canadá, saiam da mídia.

E até lá, podemos, para efeito de reflexão, voltar um pouco no tempo e se debruçar sobre o que Machado de Assis (já reservaram um tempo para lê-lo?) nos avisava desde o século 19.

Nós matamos o tempo. E o tempo nos enterra.

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