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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Retrocesso no jogo

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 21 de setembro de 2009:

Ao saber da aprovação do projeto que legaliza as casas de bingo, a primeira coisa que lembrei foi a cobertura que fiz na ocasião dos desdobramentos em nossa região do combate ao jogo ilegal, desencadeado em cascata após duas megaoperações da Polícia Federal (PF), em abril de 2007.

O que adiantou?

Nos últimos dois anos, investigações comandadas pela PF e pelo Ministério Público (MP) cansaram de mostrar os esquemas impregnados de irregularidades: lavagem de dinheiro, corrupção, comprovação de que máquinas são programadas para o apostador perder, descontrole nas fiscalizações, sonegação fiscal, licenças para funcionamento conseguidas através de sentenças judiciais supostamente compradas ou mantido, precariamente, por meio de liminares. Acusados foram condenados.

Liberar as casas de bingo é passar uma borracha nisso tudo.

É jogar anos de investigações no lixo; desestimular o combate que a sociedade exige das instituições responsáveis; é aumentar o drama das famílias que sofrem com o vício, que perderam bens na jogatina, sabe-se lá até que ponto fraudulenta.

Muda-se a regra, e o que era criminoso torna-se legal.

Qual pretexto?

Emprego? Estudo que embasou o relator da proposta, Régis de Oliveira (PSC), apontou fechamento de 320 mil postos de trabalho.

Porém, a economia é dinâmica, e outros setores abriram, após a proibição definitiva dos jogos em 2007 e antes da crise, milhares de vagas.

É um argumento tão vago quanto à ideia da necessidade de cobrar impostos, como se a carga tributária não fosse excessiva no País.

Ocorre aqui algo que já se cogitou para os fabricantes de cigarros: pelo mal que causam o produto à saúde do consumidor, pagam mais impostos.

Como se fosse possível compensar as perdas psicológicas de uma família com repasses de 17% das receitas do bingo para saúde, cultura, esportes e segurança pública.

Acabar com a corrupção e fortalecer a segurança pública? O argumento, aliás, deveria ser encarado como afronta às corporações policiais, já que induz ao pensamento de que a clandestinidade dos bingos gera conluio e conivência de policiais, posturas que, existindo, devem, por obrigatoriedade, serem combatidas com rigor.

E a incoerência maior: a caça-níquel será permitida nas casas de bingo, mas ilegal nos bares. Ou seja, a ilegalidade não está na natureza da infração, mas no lugar onde é praticada.

Liberar as casas de bingo é um retrocesso. Pode render 17% de impostos ao governo, mas não paga os danos psicológicos e todos os efeitos advindos do vício.

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