Artigo publicado na versão impressa da edição de 4 de junho de 2012:
Em março, em texto publicado na revista Piauí, o ensaísta Nuno Ramos fez uma análise sobre o estágio do futebol brasileiro e, ao abordar o que se passou entre os fracassos da Copa de 2006 e de 2010, sintetizou, de forma sutil, o questionamento central: "Deixamos a esfinge, Ronaldinho, sem decifrá-la. Como pôde essa rara brecha na monotonia do cosmos fechar-se tão rapidamente?". Referia a Ronaldinho Gaúcho, atleta que mais acumula "ex" às descrições antes mesmo de se tornar, efetivamente, um ex.
Ronaldinho tem só 32 anos. Há não muito tempo, em 2004 e 2005, foi eleito o melhor futebolista do mundo, quando já carregava no currículo uma Copa do Mundo.
Em 2006, era o líder do famoso "Quarteto Fantástico" na seleção brasileira que figurava como favorita naquela competição. Como de praxe, Ronaldinho foi engolfado pela mania dos brasileiros de criar rapidamente ídolos do momento.
Virou personagem de gibi, nas mãos de nada menos que Maurício de Sousa, que tem todas as credenciais para conhecer o universo infantil. Um ídolo para as crianças. Mas ele fracassou naquela Copa, tornou-se símbolo da bagunça em que se transformou a passagem do time brasileiro pela Alemanha. A balada incorporou-se em sua vida mais que a própria bola.
Ao voltar para o país, Ronaldinho permitiu-se virar objeto de leilão. Palmeiras, Grêmio e Flamengo negociaram, e o time gaúcho chegou até a preparar a festa para recebê-lo. Mas ele optou pelo dinheiro, foi para o Flamengo, que lhe oferecia mais. Frustrou a torcida gremista.
No Rio, em pouco mais de um ano, fingiu que jogava, e o clube carioca fingia que lhe pagava. Ronaldinho ganhou um título que o clube não precisava (Campeonato Carioca), perdeu todos os demais. Na semana passada, rompeu com o clube e, agora, cobra R$ 40 milhões na Justiça do Trabalho. Por qual trabalho? Virou galhofa.
Ronaldinho está sem clube, virou sinônimo de problema, há tempos não joga o que se paga para isso. Como de praxe, foi rapidamente substituído por outro ídolo no coletivo.
Sua vida financeira está resolvida. Mas qual será o legado que deixará para os milhões de brasileiros que o tinham como ídolo, especialmente às crianças, incluindo às que liam os gibis que protagonizava?
Restará, como Nuno descreveu, uma esfinge a ser desvendada, enquanto solidifica a precipitada tradição brasileira de conceber ídolos sem dar o devido tempo para que o próprio tempo se encarregue de fazê-los merecer esse status.
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