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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O peso e preço da graça

Artigo publicado na versão impressa da edição de 17 de outubro de 2011:

Enquanto Rafinha Bastos mergulhava em seu inferno nas últimas semanas, o humor brasileiro perdia José Vasconcellos, o inesquecível Rui Barbosa Sa-Silva, o que aprofundou o campo argumentativo desfavorável ao integrante do CQC.

Assim como Marcos Plonka, o saudoso intérprete de Samuel Blaustein ("Fazemos qualquer negócio!"), Vasconcellos se foi, para muitos, como exemplo de que é possível fazer humorismo puro, sem ofensa ou palavrões.

Mas Vasconcellos imortalizou-se fazendo pilhéria na qual é realçado um distúrbio (gagueira), e os gagos tinham motivos para não gostar de suas piadas. Já Plonka tirava sorrisos das pessoas caricaturando o estereótipo do judeu que só quer só lucrar - e os judeus tinham motivos para não gostar de suas piadas.

A partir de qualquer humorístico na TV, piada contada na praça, no bar ou nos e-mails que chegam às nossas caixas de mensagens, constata-se: a pilhéria ocorre à custa de um escolhido: argentino, japonês, português, corintiano (ou qualquer outro torcedor), gordinho (ou melhor, quem está acima do peso), loira, entre outros. E todos têm razões para não gostar disso.

Na ação em que pedem R$ 100 mil de indenização de Rafinha Bastos por danos morais, os advogados de Wanessa Camargo citam doutrina de Nelson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso: "As pilhérias de mau gosto, sujeitando a pessoa ao ridículo e à galhofa, não se coadunam com uma intenção inocente. Não é admissível que, por amor à pilhéria, se tolere que alguém se divirta ou faça divertir à custa da reputação ou decoro alheios. Uma coisa é gracejar, outra é ridicularizar".

Aplicando este conceito às piadas que assistimos na TV, no teatro, nos bares, no nosso dia a dia, faltariam Fóruns para julgar os casos que renderiam pedido de indenização igual ao da cantora. José Simão e Ary Toledo, então...

A piada - ou melhor, a fala (aquilo não é piada) - de Rafinha sobre Wanessa foi infeliz e se soma a outras feitas antes e depois por ele.

É o balanço de seu conjunto que o faz, hoje, um problema, e ser problemático é o primeiro passo para qualquer profissional ser legado ao ostracismo.

Por outro lado, se apoiarmos a iniciativa de Wanessa em processá-lo, teríamos de rever, então, se no escritório, no bar, em casa ou na praça, não estamos sendo "Rafinhas" ao contar piadas que atingem alguém. Não pode haver dois pesos.

Ou, para glória do politicamente correto, seria mais racional baixar um decreto proibindo a piada neste país.

Todos ficariam contentes. E não haveria a menor graça.

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