Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 16 de maio de 2011:
Alguns gostam de futebol por influência da família, outros, dos amigos; comigo, veio após a derrota da vibrante seleção camaronesa para a Inglaterra, na Copa de 90.
Tinha seis anos. No dia seguinte, corri para umas folhas atiradas sobre o sofá, ver imagens do jogo. Meu contato mais antigo, pelo que lembro: lá estava a Gazeta.
Uma alegria: primeiro, eram as imagens que me atraíam. Depois, com as letras ensinadas na escola, aprendi a gostar de ler jornal com uma coluna no lado esquerdo da última página, “Dois Toques”, assinada por um certo Walfrido Salvi.
Incrível hoje, 21 anos depois, ter o privilégio de aprender mais sobre jornal trabalhando ao lado dele e de tantos outros colegas - na adolescência, acompanhava-os no futebol amador e na Copa Gazeta do outro lado do balcão, como leitor.
Uma bronca: menino ainda, deitado no tapete da sala de casa, irritei-me com o som alto e atirei um objeto no aparelho. A música atrapalhava - lá estava a Gazeta - a leitura. Os gritos levo comigo até hoje; a notícia também, uma derrota do São Paulo para o Bahia - torço pelo Palmeiras, mas leio sobre tudo.
Uma decepção: aos 13, minha redação não foi escolhida pela escola para representá-la num prêmio de literatura - lá estava a Gazeta.
Foi minha última chance de participar, mas sabia a razão: havia outros textos melhores. Meu prêmio veio 14 anos depois, quando fui convidado para a mesa que entregou os troféus aos ganhadores de 2010.
Uma tristeza: não é fácil ir ao enterro de um amigo morto jovem, muito menos a hora em que o coveiro desce a tampa definitiva sobre o caixão.
Quando observei, para minha surpresa, uma folha amarelada forrava a superfície que ficaria, para sempre, sobre a sepultura de um colega - lá estava a Gazeta (por esses fatos inexplicáveis, reconheci um texto que fiz, sobre um terreno abandonado localizado na rua onde este amigo morava, coisas da vida!).
Assim como está presente em minha memória, a Gazeta, ao longo de 80 anos, marcou momentos na vida de seus leitores.
O maior legado de um jornal é ajudar a construir a memória de cada um de seus leitores e, principalmente, de sua comunidade: na alegria, na bronca, na decepção, na tristeza, como é a vida.
Amanhã, este humilde pedreiro assentará o 16.482º tijolo, e tenho a honra de ser um simples ajudante.
Não é a Gazeta só um conjunto de folhas nas mãos e nas casas dos leitores todos os dias; na verdade, ela é a própria casa dos leitores, construída por e para eles.
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