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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pimenta nos olhos dos outros

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 30 de maio de 2011:

O leitor sabe o quanto sua vida mudou nos últimos 11 anos.

O Brasil, o mundo e Limeira também eram diferentes.

Em 2000, Lula era um candidato com três derrotas presidenciais; não havia Orkut, Twitter, Facebook ou iPad, e Bin Laden era só um entre tantos terroristas numa lista interna da CIA; Pedrinho Kühl era prefeito e havia o Limeira Shopping Center. E a jornalista Sandra Gomide foi assassinada pelo ex-namorado Pimenta Neves.

Nesses últimos 11 anos, João Gomide viu o assassino confesso da filha em liberdade, enquanto ele ficou aprisionado num mundo de indignação e de vergonha.

Tentou suicídio três vezes, parou numa cadeira de rodas, está com câncer, mudou-se para uma casa simples e raramente sai de casa.

Não visita parentes há 11 anos.

Não tem mais plano de saúde porque não consegue pagá-lo.

Vive à base de antidepressivos.

“Seu” João tem direito a uma indenização de R$ 420 mil, mas, até hoje, não viu a cor do dinheiro.

Para evitar de pagar por seu crime no lugar onde se deve pagar, Pimenta entrou com pelo menos 49 recursos na Justiça.

A indenização também está emperrada em recursos.

É provável que o pai morra antes de receber o dinheiro.

Não importa. De certa forma, ele morreu junto com a filha há 11 anos, com a colaboração da perversa legislação e da lentidão do Judiciário brasileiro.

Há várias propostas em trâmite no Congresso para reduzir a possibilidade de recursos, mas falta vontade política.

Em todo o País, Tribunais de Justiça vivem às turras com os Executivos quando o assunto é orçamento - mais estrutura, juízes e funcionários significam agilidade.

Mas chefes do Executivo e parlamentares podem vir, quando já não estão, a se beneficiar da enxurrada de recursos.

É mais fácil apoiarmos a proposta do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), César Peluso, que prevê o cumprimento das sentenças em segunda instância de imediato.

Mas a medida já sofre resistência de advogados e do próprio meio político.

Se não houver clamor popular e cobrança em cima dos deputados que elegemos recentemente, o sistema anacrônico e injusto permitirá que Rui Barbosa continue a ter razão quando escreveu, lá no século passado, que “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

Não podemos mais esperar que a pimenta venha arder em nossos olhos para cobrar mudanças de nossos representantes nas Assembleias e no Congresso.

A história de João Gomide é mais que suficiente.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Aplausos a Higienópolis

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 23 de maio de 2011:

Moradores de Higienópolis, região nobre de São Paulo, foram duramente criticados por manifestarem repúdio à construção de uma estação de metrô no bairro.

A fala de uma moradora, citando que a estação atrairia "gente diferenciada" (mendigos, pedintes e assaltantes), foi o estopim para uma saraivada de críticas à reação, tachada de "elitista".

Eu aplaudo a atitude dos moradores.

No Brasil, os contribuintes têm péssimo costume de aceitar passivamente as ações do poder público, que faz e desfaz diante dos olhos da população sem ela, muitas vezes, participar de decisões que influem em seu dia a dia.

Higienópolis fez o que todos os bairros - da capital ou do interior, nobres ou não - deveriam fazer: questionar um ato do governo que pode alterar - na visão de seus moradores, para pior - sua rotina.

A ideia de "gente diferenciada" denota um preconceito com o qual não compartilho.

Mendigos e pedintes são tão humanos quanto os higienopolitanos e possuem, perante a lei, os mesmos direitos. Um bairro nobre pode abrigar criminosos, tanto quanto outro qualquer.

Pertencer a uma classe social não dá salvo-conduto a ninguém.

Neste ponto, temos o direito de concordar ou não com essa visão sociológica da moradora de Higienópolis (reforço, eu discordo), mas daí a tirar a legitimidade do movimento do bairro vai um longo caminho.

Qualquer obra pública deve ser feita a partir de uma demanda de interesse coletivo.

Os críticos de Higienópolis deveriam, em vez de se apegar ao rótulo fácil da visão elitista, cobrar das autoridades se elas pretendem mesmo mudar os planos do metrô só por simples "pressão" de alguns em detrimento do interesse da maioria.

Todos têm o direito de opinar, protestar e defender o que é melhor para sua comunidade.

O Estado existe justamente para, dentro da lei, regular isso e atender ao interesse coletivo.

Quando ele se ausenta ou é tendencioso - o que pode vir a ocorrer em Higienópolis -, o Ministério Público e a Justiça têm prerrogativas para buscar corrigir os desajustes.

A cidadania seria melhor exercida no País se todos os moradores se reunissem, como fizeram em Higienópolis, para opinar contra aquilo que não concordam.

Em Limeira, o Parque Egisto Ragazzo foi reaberto porque se tornou um condomínio fechado ao arrepio da lei. Agora, de forma organizada e respeitando a legislação, pode ficar restrito novamente, por desejo e união de seus moradores.

Se os outros limeirenses querem o mesmo ou qualquer outra melhoria para seus bairros, organizem-se e cobrem seus direitos.

Sigam o bom exemplo de Higienópolis - o senso de participação comunitária e de mobilização.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O pedreiro da memória

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 16 de maio de 2011:

Alguns gostam de futebol por influência da família, outros, dos amigos; comigo, veio após a derrota da vibrante seleção camaronesa para a Inglaterra, na Copa de 90.

Tinha seis anos. No dia seguinte, corri para umas folhas atiradas sobre o sofá, ver imagens do jogo. Meu contato mais antigo, pelo que lembro: lá estava a Gazeta.

Uma alegria: primeiro, eram as imagens que me atraíam. Depois, com as letras ensinadas na escola, aprendi a gostar de ler jornal com uma coluna no lado esquerdo da última página, “Dois Toques”, assinada por um certo Walfrido Salvi.

Incrível hoje, 21 anos depois, ter o privilégio de aprender mais sobre jornal trabalhando ao lado dele e de tantos outros colegas - na adolescência, acompanhava-os no futebol amador e na Copa Gazeta do outro lado do balcão, como leitor.

Uma bronca: menino ainda, deitado no tapete da sala de casa, irritei-me com o som alto e atirei um objeto no aparelho. A música atrapalhava - lá estava a Gazeta - a leitura. Os gritos levo comigo até hoje; a notícia também, uma derrota do São Paulo para o Bahia - torço pelo Palmeiras, mas leio sobre tudo.

Uma decepção: aos 13, minha redação não foi escolhida pela escola para representá-la num prêmio de literatura - lá estava a Gazeta.

Foi minha última chance de participar, mas sabia a razão: havia outros textos melhores. Meu prêmio veio 14 anos depois, quando fui convidado para a mesa que entregou os troféus aos ganhadores de 2010.

Uma tristeza: não é fácil ir ao enterro de um amigo morto jovem, muito menos a hora em que o coveiro desce a tampa definitiva sobre o caixão.

Quando observei, para minha surpresa, uma folha amarelada forrava a superfície que ficaria, para sempre, sobre a sepultura de um colega - lá estava a Gazeta (por esses fatos inexplicáveis, reconheci um texto que fiz, sobre um terreno abandonado localizado na rua onde este amigo morava, coisas da vida!).

Assim como está presente em minha memória, a Gazeta, ao longo de 80 anos, marcou momentos na vida de seus leitores.

O maior legado de um jornal é ajudar a construir a memória de cada um de seus leitores e, principalmente, de sua comunidade: na alegria, na bronca, na decepção, na tristeza, como é a vida.

Amanhã, este humilde pedreiro assentará o 16.482º tijolo, e tenho a honra de ser um simples ajudante.

Não é a Gazeta só um conjunto de folhas nas mãos e nas casas dos leitores todos os dias; na verdade, ela é a própria casa dos leitores, construída por e para eles.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Prisão para poucos

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 9 de maio de 2011:

Autoridades do Executivo e legisladores gostam de não enfrentar mudanças profundas que precisam ser feitas nas legislações brasileiras, sob o manto da inexistência de consenso.

Falam em reformas da Previdência, trabalhistas, tributária e política faz décadas, mas sai governo, entra governo, e nada.

Apelam para pequenos ajustes, uma lei específica ali, outra lá, que só resolvem problemas pontuais. De forma silenciosa, as leis viram uma colcha de retalhos, muitas vezes questionadas lá na frente no Judiciário.

A nova Lei 12.403/11, que entra em vigor em 60 dias, é mais uma que, bem analisada, traz, disfarçadamente, uma tentativa de solução para um problema que o Poder Executivo, e muito menos Legislativo, gosta de discutir: o sistema penitenciário brasileiro, abarrotado, com déficit crescente de vagas e com poucos presídios dignos do título de “ressocializadores”.

A possibilidade de medidas cautelares como alternativas à prisão fará com que, entre os que respondem às ações penais, praticamente só fique preso quem cometeu crimes hediondos ou sob grave emprego de ameaça, como homicídios, estupros, roubos, tráfico, latrocínios, entre outros.

Abre amplo leque de argumentos para advogados pleitearem liberdade provisória. Se já era difícil os criminosos de “colarinho branco” estarem atrás das grades, com as novas mudanças, somente se a situação for muito grave o acusado ficará na cadeia.

O visível abrandamento de prisões parece ter sido encomendado para desafogar o sistema penitenciário, muito embora a nova lei preveja alternativas interessantes, como a aplicação das tornozeleiras.

Mas a aplicação desse equipamento ainda não é unanimidade entre os juízes e provoca críticas de advogados. Vê-se, novamente, que um assunto ainda não resolvido agora está na lei. São os retalhos feitos por autoridades e legisladores.

No senso comum, o cometimento de um crime traz à sociedade a ideia de que é dever das autoridades competentes excluir, ao menos por um tempo, o autor do delito do meio em que ele vive, como forma de punição.

Construir cadeia não dá voto, promover ações de ressocialização muito menos, mas penso que ambas são medidas que, pelo menos, partem do princípio de que existe uma vítima e que há preocupação do Estado em protegê-la.

Privar a liberdade, respeitando-se os direitos humanos, é sinônimo de respeito à vítima; quando ficam fartas as chances de soltura, só crescerá na população, infelizmente, a impressão de que a impunidade prevalece.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Regra e disciplina

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 2 de maio de 2011:

Nas últimas semanas, tive oportunidade de conversar com empresários brasileiros, do ramo esportivo, instalados faz tempo na Espanha, além de conhecer um pouco aquele país.

Não quero escrever um artigo dizendo qual das nações é melhor em alguma coisa, dadas as diferenças históricas e culturais, mas penso ser válido transmitir aos leitores observações que podem servir de exemplo e o que compatriotas pensam, estando lá.

Os espanhóis são mais fanáticos por futebol do que os brasileiros - as TVs locais transmitem, ao vivo, três partidas da liga, todas em seguida, aos sábados.

Sabem fazer disso um modo de ganhar dinheiro e viver, girando a economia.

Não há um comércio no centro de Madri que não tenha produtos com logotipo de algum clube e há saída constante desses itens. O turismo, lá e em outros lugares, é levado a sério e não é um “patinho feio” no orçamento.

Perguntei aos empresários se no Brasil poderia ser feito algo parecido. Disseram-me: “faltam aos brasileiros duas coisas que prezam muito na Europa: regra e disciplina”.

No Brasil, mudar a regra, se e quando ela existe, ao sabor das conveniências, é para lá de comum.

No esporte, apenas em 2003 estabeleceu-se um calendário com datas e regras fixas que permitem ao torcedor - na Europa encarado também como consumidor - se preparar com antecedência.

Além de regras, é preciso que todos as saibam.

Na Espanha, ninguém joga papel na rua porque sabe que, além de ser um gesto mal educado, é proibido, passível de multa e de ser denunciado por qualquer outro cidadão.

Em Limeira, existe a mesma lei, mas não há campanha educativa constante que leve conhecimento à população; falta vontade, a muitos, de exercer seu papel como integrante de uma comunidade e denunciar quando veem o ato ilegal; faltam lixeiras nas ruas e a fiscalização é tão irreal quanto o Gasparzinho.

Igualmente, o motorista europeu para o carro quando um pedestre atravessa a rua, porque sabe que este último tem preferência, e cumpre o combinado, civilizadamente. Aqui, a buzina e os xingamentos vêm em primeiro lugar.

O Brasil, economia emergente, tem enorme potencial para ser uma nação de destaque neste século: há matéria-prima, recursos humanos, condições geográficas favoráveis, um povo acolhedor como nenhum outro, apesar dos dramas sociais históricos, que ainda existem.

Mas o desapego às regras e a falta de disciplina são problemas crônicos e ajudam a impedir os brasileiros de construir uma sociedade mais harmoniosa, saudável e coletiva.