Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 10 de janeiro de 2011:
Numa época em que progressão continuada era só uma hipótese, Carlos e André (vou chamá-los assim) eram respeitados por nós, colegas de turma, por dois motivos.
Primeiro, tinham quatro anos a mais de idade do que a média da classe, dois marmanjos barbados perdidos num monte de pré-adolescentes.
Segundo, o primeiro motivo tinha mais efeito psicológico que prático, já que ambos mostravam companheirismo sem hora.
Eles tinham algo em comum e que carregavam como fardo. Eram repetentes, quatro vezes em anos anteriores. Não sentiam estímulo para estudar.
O que possívelmente faltava em casa (incentivo) era amplificado num ambiente escolar carente de planejamento e preparo para lidar com alunos com dificuldades.
No fundo, sabíamos, eles estavam destinados a abandonar a escola um dia, por isso tentávamos ajudá-los de alguma forma - incluindo a reprovável, mas comum prática de passar "cola" -, com o objetivo não necessariamente de fazê-los aprender algo, mas simplesmente evitar uma nova repetência e seus efeitos previsíveis.
Na sequência, na segunda metade dos anos 90, veio a progressão continuada, ciclo em que o aluno só podia ser reprovado em duas oportunidades - ao final da 4ª e da 8ª séries.
Ao longo de todo este tempo, a taxa de abandono escolar no Estado de São Paulo caiu gradativamente - não se pode dizer que, exclusivamente, por causa do novo sistema - e serviu como vitrine propagandística dos políticos no poder, mas criou a monstruosidade de um aluno avançar de série seguidamente sem evoluir seu nível de aprendizado.
A mudança no sistema, estudada pelo governo Alckmin, e que prevê a ampliação dos ciclos e das possibilidades de reter o aluno, é bem-vinda, mas não pode acontecer de forma isolada, como bem avaliou o articulista da Folha de S.Paulo, Hélio Schwartsman.
É preciso criar mecanismos para identificar o quanto antes o estudante com deficiência no aprendizado e agir rápido, para evitar que ele caia no desestimulante ciclo de repetência e eleve, novamente, a taxa de abandono escolar.
Pior do que ter um aluno que não sabe é vê-lo fora da sala de aula.
Quanto aos dois ex-colegas de classe, nunca mais os vi, nem soube se passaram naquele ano ou se abandonaram a escola.
Alterar a progressão continuada traz riscos de produzir novos Carlos e André, mas já é um começo para mudar um panorama que não dá para defender, que é a aprovação falsificada de muitos estudantes paulistas.
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