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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Cachimbo da discórdia

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 31 de janeiro de 2011:

Ao acompanhar os desdobramentos da divulgação de imagens que mostram alunos do Colégio Técnico de Limeira (Cotil) fumando narguilé e cigarros, aparentemente numa sala de aula, em companhia de um professor, observei as manifestações de jovens em redes sociais a respeito do episódio.

E as divergências de opiniões são suficientes para que a situação tenha debate mais amplo do que uma “caça às bruxas” geral.

“Só tomou essa repercussão porque [xinga e escreve o suposto nome do professor] foi filmado junto. E essa mãe hipócrita quer culpá-lo por não dar educação para o filho”, escreveu uma jovem.

“Eu só acho que a mídia tá fazendo tempestade em gota d’água”, diz outra mensagem.

Um outro texto apontou: “cabei de assistir o vídeo [...] e fiquei com vontade de bater naquela mãe até ela acordar pra vida”.

E uma jovem até vislumbrou seus estudos prejudicados: “Quase não vou mais pro Cotil por causa da notícia”.

O fato provoca discussões, que precisam ser debatidas e encaradas nos âmbitos adequados. Não é justo passar a demonizar um colégio que oferece boa qualidade de ensino pelo ato de um funcionário, mas convém que a escola apure e tome as medidas cabíveis em relação ao professor, já que, como o próprio promotor Nelson Peixoto avaliou, há possível violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Acima de tudo, e por abrigar adolescentes, a escola tem que prezar o respeito à legislação.

Quanto ao comportamento dos alunos, os relatos de outros jovens permitem discussões mais amplas.

Muitos relativizam o episódio porque sabem que o acesso do jovem hoje ao cigarro é tão fácil e normal que passam a criticar a mãe que denunciou o fumódromo, chamando-a para “acordar para a vida”.

E voltam à tese de que a função de educar vem de casa e é responsabilidade dos pais, que não podem deixar essa tarefa somente para o professor - por esta ideia, para ficarmos no exemplo do Cotil, o aluno bem educado em casa não aceitaria fumar, mesmo que o convite partisse de um adulto na função de professor.

Se estudos indicam que é na adolescência que a maioria dos fumantes dá as primeiras baforadas, convém também discutir se as imagens divulgadas pela mãe só ganharam repercussão pelo ambiente em que foram filmadas.

Se ficar só nisto, o episódio ficará na superficialidade e milhões de outros adolescentes continuarão a fumar escondidos dos pais, com o cuidado de desligar os celulares para não caírem em rede nacional.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A guerra de Rosimeri

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 24 de janeiro de 2011:

“Alegra-te, jovem, na tua juventude”, trecho bíblico que abre o filme “Platoon”, sobre impressões de um ex-combatente no Vietnã, caiu-me, na adolescência, como um recado: eu e outros milhões de jovens tivemos o privilégio de não estar no meio de uma guerra em nossa mocidade.

Assim, fica difícil conceber alguns valores obtidos numa situação mais extrema. Por isso, cuido-me para não banalizar conceitos.

Na semana que passou, os militares, cabo Carneiro e soldado Dalton homenagearam o prefeito Silvio Félix com uma boina, que significa ato heroico, pela ida dele ao Cecap, após a morte de uma mulher no dia 6.

O fato foi divulgado pela Prefeitura e ignorado pela imprensa. Explico porque.

Se heroico é um feito de herói, vou ao dicionário para este último: “alguém capaz de suportar exemplarmente uma sorte incomum (infortúnio) ou que arrisca a vida pelo dever ou em benefício de outro”.

Félix não salvou ninguém naquela noite, nem teve a casa destruída. Como autoridade máxima da cidade, teve espírito humano de solidariedade para acompanhar o drama.

Parabenizemos ele por isso, não por ato heroico.

Ao entenderem como heroísmo a simples ida de uma autoridade ao local da tragédia, depois que ela aconteceu, os militares correm risco de banalizar o próprio ato que fizeram no Haiti, quando, após um terremoto, socorreram flagelados - um deles encarou, com dignidade, a tarefa de fazer a necrópsia de 21 amigos mortos.

Numa época em que valores são facilmente invertidos, perde-se o real significado de conceitos.

Quando Pedro Bial chama os confinados no BBB de “meus heróis”, reforça a ideia de que, em tempos de sobrevalorização de supérfluos, qualquer ato serve para transformar alguém em herói.

Numa tragédia, como a trazida pelas chuvas, os heróis são poucos, e os que querem se vangloriar por tal, são muitos. Autoridades públicas não podem reivindicar heroísmo, porque têm orçamento e caneta na mão para priorizar obras e políticas de habitação em detrimento de torres e redundâncias. Não são vilões, mas tampouco heróis.

Em Nova Friburgo, Rosimeri Moraes de Oliveira, 43, acabava de chegar da maternidade quando o morro veio abaixo e destruiu sua casa.

Sem direito à oração ou choro, em um minuto ela enterrou, numa cova improvisada, a filha de 16 anos e o neto de apenas cinco dias de vida, junto com eles seu sonho de brincar com o neto que não verá crescer.

Ela está, agora sozinha, numa guerra onde o inimigo é a desesperança e, por ora, não há alegria no horizonte.

Peço licença aos militares, à Prefeitura e a Pedro Bial.

Porque Rosimeri é uma heroína.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desastre e triunfo

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 17 de janeiro de 2011:

O dia 12 de janeiro está fadado a ficar na história como sinônimo de tragédia.

Foi nessa data que, em 2007, a negligência e a imprudência soterraram 7 pessoas numa estação do metrô em obras na capital.

Em 2010, nesse mesmo dia, o Haiti viu um terremoto abrir fendas que nunca serão cicatrizadas e sepultar estimadas 319 mil pessoas, numa conta que não fechou até hoje.

E foi no último dia 12 que nós, brasileiros, sentimos que o Haiti está aqui, na maior tragédia da nação.

As centenas de corpos levadas pelos “rios de janeiro” no Rio de Janeiro e pelo descaso do Poder Público em não conter a ocupação em áreas de risco não sairão da lembrança tão rápido. Ao longo dos anos, 12 de janeiro será um dia de retrospectivas tristes.

Quis o destino que a data com tantas recordações negativas também ficasse gravada na história de Limeira e do esporte nacional.

O triunfo da Winner no dia 12 de janeiro sobre o Pinheiros, que deu a Limeira o bicampeonato paulista de basquete, não só foi um momento memorável local, mas do esporte nacional.

Derrotar um time tido como superior, com uma cesta, a 1 segundo do final, fez vibrar todos que gostam, acima de preferências pessoais, do esporte em si e dos valores que ele representa: honestidade na luta, sucesso em equipe, coroação do trabalho diário e tantos outros que não caberiam aqui.

Relatou-me o colega Edmar Ferreira: quando a bola final caiu, os limeirenses ao redor da cabine da Rádio Educadora invadiram o local da imprensa, todos num pulo frenético, inconsciente, expressão de alegria pura.

Ali, os problemas do dia a dia foram barrados para que uma felicidade fosse extravasada, como se todos não tivessem tempo posterior para repetir tal gesto. O esporte tem esse poder, daí porque ele merece, por parte do poder público local, atenção maior que hoje não tem.

Um fato esportivo não se sobrepõe às tragédias.

Amanhã, o torcedor terá que voltar para as ruas e tomar precauções, sempre que chove.

Amanhã, faremos sinal de respeito em memória dos mortos pelas chuvas, que deveriam ser exemplo para que tragédias evitáveis sejam, de fato, evitadas daqui por diante.

Mas amanhã lembraremos que, em meio à tristeza trazida pelas águas, houve em Limeira um momento de alegria genuína, oferecida por pessoas humildes, que fizeram, por instantes, o limeirense pular de alegria sem pensar em mais nada.

Valeu, Winner! E que os 12 de janeiros futuros sejam, para o Brasil e para o mundo, o que foi neste ano para Limeira.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Os repetentes

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 10 de janeiro de 2011:

Numa época em que progressão continuada era só uma hipótese, Carlos e André (vou chamá-los assim) eram respeitados por nós, colegas de turma, por dois motivos.

Primeiro, tinham quatro anos a mais de idade do que a média da classe, dois marmanjos barbados perdidos num monte de pré-adolescentes.

Segundo, o primeiro motivo tinha mais efeito psicológico que prático, já que ambos mostravam companheirismo sem hora.

Eles tinham algo em comum e que carregavam como fardo. Eram repetentes, quatro vezes em anos anteriores. Não sentiam estímulo para estudar.

O que possívelmente faltava em casa (incentivo) era amplificado num ambiente escolar carente de planejamento e preparo para lidar com alunos com dificuldades.

No fundo, sabíamos, eles estavam destinados a abandonar a escola um dia, por isso tentávamos ajudá-los de alguma forma - incluindo a reprovável, mas comum prática de passar "cola" -, com o objetivo não necessariamente de fazê-los aprender algo, mas simplesmente evitar uma nova repetência e seus efeitos previsíveis.

Na sequência, na segunda metade dos anos 90, veio a progressão continuada, ciclo em que o aluno só podia ser reprovado em duas oportunidades - ao final da 4ª e da 8ª séries.

Ao longo de todo este tempo, a taxa de abandono escolar no Estado de São Paulo caiu gradativamente - não se pode dizer que, exclusivamente, por causa do novo sistema - e serviu como vitrine propagandística dos políticos no poder, mas criou a monstruosidade de um aluno avançar de série seguidamente sem evoluir seu nível de aprendizado.

A mudança no sistema, estudada pelo governo Alckmin, e que prevê a ampliação dos ciclos e das possibilidades de reter o aluno, é bem-vinda, mas não pode acontecer de forma isolada, como bem avaliou o articulista da Folha de S.Paulo, Hélio Schwartsman.

É preciso criar mecanismos para identificar o quanto antes o estudante com deficiência no aprendizado e agir rápido, para evitar que ele caia no desestimulante ciclo de repetência e eleve, novamente, a taxa de abandono escolar.

Pior do que ter um aluno que não sabe é vê-lo fora da sala de aula.

Quanto aos dois ex-colegas de classe, nunca mais os vi, nem soube se passaram naquele ano ou se abandonaram a escola.

Alterar a progressão continuada traz riscos de produzir novos Carlos e André, mas já é um começo para mudar um panorama que não dá para defender, que é a aprovação falsificada de muitos estudantes paulistas.

sábado, 8 de janeiro de 2011

O salto necessário

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 3 de janeiro de 2011:

No primeiro artigo do ano passado, escrevi neste espaço que o grande desafio para o ano que se iniciava era o emprego, considerando que estávamos saindo de uma crise de dimensão mundial.

No primeiro de 2011, que também é o da nova década, arrisco-me a dizer que, para os anos 10 do século XXI, um desafio que terá de ser superado para acompanhar a questão da empregabilidade, não só em Limeira mas no País, é a qualidade da educação, especialmente no ensino superior.

Para o Brasil - incluindo Limeira - avançar, educação e emprego têm de estar em sintonia. Para exemplificar isso, nosso município é um exemplo precioso.

Converse com qualquer empresário limeirense e este lhe dirá que o maior problema local enfrentado é a escassez de mão de obra qualificada. Mas, como pode faltar trabalhador capacitado numa cidade que tem cinco instituições de ensino superior particulares (Isca, Einstein, Unip, Anhanguera e Faal), duas unidades de uma das melhores universidades do País (Unicamp), duas escolas técnicas de ensino profissionalizante (Cotil e Trajano), Senai e Senac e, mesmo assim, ainda busca uma faculdade de tecnologia (Fatec)?

A expansão de vagas universitárias em Limeira, ao que parece, não aconteceu em consonância com as reais necessidades do empresariado local.

Além disso, o crescimento da economia - tão cobrado por todos e que, fora a crise entre 2008 e 2009, vem se sustentando, mesmo timidamente - exige uma nova realidade também para educação. De um lado, que adianta o aluno ter oferta, cursar graduação e, ao término desta, não encontrar espaço para trabalhar e contribuir para a evolução de sua comunidade?

Do outro, até quando a cidade terá de 'importar' profissionais de fora para ocupar espaços que poderiam, em tese, ser ocupados por pessoas daqui, se estas tivessem tido oportunidades de se qualificarem no que realmente interessa às empresas locais?

Não bastam apenas parcerias entre escolas e empresas, embora isso seja louvável e, no momento atual, a saída mais viável. É preciso coerência e planejamento quando se fala em educação superior, e não apenas preocupação mercadológica.

Limeira, assim como todo o País, tem um estoque enorme de pessoas com capacidade para contribuir mais com a economia formal. O salto necessário virá quando as três pontas - escolas, poder público e empresas - apostarem em conjunto na educação como estratégia para o desenvolvimento. Não apenas para o progresso econômico, mas, sobretudo, humano.