Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 29 de novembro de 2010:
“Hoje, com certeza, a Vila Cruzeiro pertence ao Estado”, dizia na última quinta-feira o subchefe operacional da Polícia Civil do Rio, Rodrigo de Oliveira. Na mesma data, o secretário de Segurança Pública local, José Mariano Beltrame, dava o tamanho da dimensão da fuga em massa dos traficantes exibida ao vivo pela TV. “Os problemas não são só do Rio de Janeiro, mas de um país que tem uma série de episódios internacionais pela frente”.
Comentar segurança pública longe do front é complicado para nós, jornalistas, mas estas duas frases chamam a atenção em meio ao debate público que se instalou após o Estado do Rio decidir confrontar os traficantes que dominam os morros há décadas.
Quanto à primeira, cabe um lembrete: em 2008, o Bope, unidade que ganhou o País no filme “Tropa de Elite”, ocupou a favela da Vila Cruzeiro, estendendo até sua bandeira como demonstração de que havia superado o tráfico.
Nesses dois anos, o que mais o Estado fez para combater o tráfico local, além dessa ação pontual? Esse bairro especificamente não possui Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), política alardeada pelo governo Sérgio Cabral, por... falta de efetivo.
Sem policiais, a Vila Cruzeiro concentrou as lideranças do crime do Rio, e virou o barril de pólvora que vemos atualmente. Para combater o tráfico, ações policiais não bastam; o Estado tem de prover assistência em oportunidades, lazer, cultura, ações de cidadania, em conjunto com a sociedade civil.
Quanto à nacionalização do problema: em 2006, quando o Estado de São Paulo foi acuado pela facção Primeiro Comando da Capital (PCC), não ouvíamos este discurso “amplo”. Todos os Estados têm problemas de segurança, e são os respectivos governos responsáveis pelas políticas na área.
Assim como o PCC cresceu junto com a falência do sistema penitenciário paulista, o tráfico nos morros cariocas se avolumou por absoluta ausência do Estado local - em alguns casos, também por conivência ou complacência.
Os “episódios internacionais” citados por Beltrame (Copa do Mundo em 2014 e Olimpíada dois anos depois) são chances para modificações profundas no País, mas a construção de uma cidade ou país seguro passa necessariamente por ações diárias localizadas, com presença constante - e protagonista - do Estado. Ocupar a Vila Cruzeiro, ou qualquer outro reduto do tráfico no País, de dois em dois anos, definitivamente, não vai resolver.