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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Para decolar a década

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 30 de agosto de 2010:

Arrisco a dizer que, depois da vinda do câmpus 2 da Unicamp, o anúncio da inclusão de Limeira numa malha aérea, conforme revelado pela Gazeta na quarta-feira, é a melhor notícia dos últimos anos no município, e veio em momento que não podia ser melhor.

Nos próximos 6 anos, as expectativas de desenvolvimento do País diante das grandiosas missões de sediar Copa do Mundo e Olimpíada são extremamente positivas.

No aspecto de infraestrutura, os governos federais e estaduais terão de investir para comportar a demanda de visitantes que o País receberá.

Como a economia voltou a crescer após a crise e houve melhora no poder de consumo das classes C e D, o fluxo de passageiros no transporte aéreo só tende a aumentar.

Neste contexto, a localização estratégica de Limeira pode finalmente ajudar a acelerar o novo aeroporto.

O empresário Roberto Martins tem razão ao afirmar que o município pode ser, sim, alternativa a Viracopos, aeroporto de Campinas que ganhou relevância e visibilidade após o caos aéreo dos últimos três anos.

Outro ponto favorável do aeroporto de Limeira: fácil acesso às rodovias Anhangüera e Washington Luís, o que poderia atrair o desembarque de cargas e reforçar o município como importante centro distribuidor de mercadorias.

Volto à realidade: construir um aeroporto nunca foi prioridade dos últimos administradores de Limeira.

Sempre foi o tipo de projeto que sempre ficou no projeto, entra ano, sai ano.

Desde que licitou a obra em 2006, no valor de R$ 46,9 milhões, a Prefeitura só conseguiu avançar na terraplenagem, que por sinal não termina nunca.

Fazer aeroporto é uma obra cara, e por isso o prefeito Sílvio Félix vem buscando ajuda financeira da União e do Estado para impulsioná-la.

Hoje, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) reprovaria todas as operações que a Laguna Linhas Aéreas pretende para Limeira, devido à infraestrutura aeroportuária deficiente.

O anúncio da Laguna, porém, pode ser um divisor, pois trata-se, pela primeira vez, da iniciativa privada demonstrando interesse no aeroporto de Limeira.

Ganha mais peso o pleito do município junto ao governo federal e estadual quando se sabe que existe este interesse comercial.

Além disso, a presença de representantes de Limeira na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados, incentivada pela campanha Valorize Limeira, da Gazeta/Engep, pode ser peça-chave nas negociações políticas para obtenção de ajuda financeira.

Na década que promete ser a do desenvolvimento, o município ganhou um ponto de partida novo.

Não é preciso um aeroporto de porte internacional para que as aeronaves comecem a pousar em Limeira; basta, de início, modelar o essencial para o início das operações, para daí aprimorar aos poucos.

Para isso, é o Município e suas forças políticas que precisam assumir o comando do projeto e tratá-lo com a devida prioridade que ele merece.


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O valor de uma conversa

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 23 de agosto de 2010:

O faxineiro não apareceu no horário de serviço habitual, às 6h.

Duas horas depois, fui chamado no setor de recursos humanos e recebi uma missão estranha: “Acalme-o, que ele está contando para todos que foi parado pela Polícia Federal”.

Eu sorri. João estudou até a 4ª série, é analfabeto funcional. Simples, de família humilde, retirante do Nordeste, afastou-se da miséria de sua terra para tentar vida melhor no interior de São Paulo. Não tinha a menor ideia do que é a PF.

Dei-lhe uma bronca e questionei-o. Uma história sem pé nem cabeça, julguei.

Seu ônibus quebrara e ele percorreu a metade do caminho até o serviço a pé. Foi chamado por pessoas que estavam retirando peça de computador de uma casa. Mostraram-lhe um “filminho” com cenas de sexo. Fizeram-no assinar um documento e prometeram-lhe chamar de volta. Após rir, pedi para que parasse de tomar tempo dos demais colegas com aquela bobagem.

À tarde, já em minha função de jornalista, li de relance na internet que a PF fizera a primeira megaoperação contra a pedofilia no País. Passou em várias cidades, mas Limeira não estava na lista.

Cismei a tarde toda. Será possível?

Avisei meu colega, que cobria a área de segurança, para que consultasse a PF de Piracicaba. Dito e feito. Embora não constasse na lista, Limeira foi visitada pela manhã.

Era possível. Teclei o fone da firma, mas João fora embora. Liguei na casa da assistente de RH e arranquei-lhe o nome da esposa do faxineiro e o sobrenome.

Fui à lista telefônica e li todas as ruas do bairro onde João mora até achar seu número. Ninguém atendeu.

Eram seis horas da tarde, estava perto do horário-limite. Liguei para os vizinhos e pedi para lhe tirarem do bar onde estava e atender o telefone. “João, conte com calma aquilo que você me disse...”.

No dia seguinte, notícia exclusiva: primeira operação nacional contra pedofilia chegou até Limeira. Ninguém da polícia local sabia. Só houve uma testemunha da ação, e eu tinha dado risada dela.

Esse episódio marcou bastante não só minha trajetória como jornalista, mas também pessoal.

Uma ajuda pode vir a qualquer momento, na situação mais esquisita, de onde menos esperamos - não importa classe social ou escolaridade.

No dia a dia, desprezamos muitas vezes uma conversa aparentemente tola sem saber a riqueza do que podemos extrair dela. E perdermos lições simples, que se dispersam em meio à nossa arrogância.

João continua sem saber o que é a PF, provavelmente os agentes jamais vão chamá-lo de volta, motivo de risadas sempre que a gente se encontra na rua.

Mas ele me ensinou a valorizar e nunca desprezar um diálogo, com quem quer que seja. Nunca se sabe de onde vem a ajuda, mas é melhor tê-la do que deixá-la escapar.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Indiferenças perigosas

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 16 de agosto de 2010:

Ao amanhecer, Zé (nome fictício) abre a porta da frente de casa e solta palavrões quando vê os panfletos dos candidatos espalhados pela garagem; ao andar pelas ruas da cidade, se incomoda com os cavaletes que teimam em ficar, nem que seja por três meses, no meio do caminho.

Quando passa por uma esquina, reclama que o outdoor do candidato está poluindo visualmente o município; idem com as faixas e cartazes colocados nos postes.

Quando há comício, protesta que o barulho atrapalha e invade sua privacidade; ao ver um candidato andando pelas ruas e cumprimentando pessoas, reclama e fala em oportunismo.

Quando há uma chance de conhecer os candidatos num debate pela TV, ele prefere assistir o futebol - o evento da Band, há 11 dias, teve só três pontos de audiência, em média, contra 30 de São Paulo x Inter transmitido pela Globo.

As mudanças na legislação eleitoral feitas nos últimos anos podaram muitos excessos.

Os showmícios foram proibidos porque se tornaram, à custa de atrações musicais, chamarizes de votos para os políticos que se associavam aos cantores.

Mas, sem os artistas, Zé não vai se animar a sair de casa para ouvir um candidato discursar. Portanto, comícios, embora permitidos, deixaram de ser feitos, porque não há interesse nem dos políticos nem dos eleitores.

Assim, o período mais importante na mudança de rumos de um País e do Estado está se passando de forma despercebida.

Na fase em que o mais importante é o debate e o aparecimento para a população, todos se veem “amarrados” e com medo de serem enquadrados pela Justiça Eleitoral ou por pessoas como Zé, que não gostam de panfletos em casa, outdoors, faixas, cartazes, cavaletes ou debates.

A eleição presidencial norte-americana de 2008, que consagrou a vitória de Barack Obama, se tornou emblemática não só por culminar na conquista de um negro do mais alto posto político da maior potência econômica mundial, mas por mostrar como o processo mobilizou eleitores por vários meses.

Sim, um ano antes do pleito, já havia debates, megaeventos e publicidade a todo o vapor.

Mas por estas bandas fazer um debate presidencial na TV, daqui a pouco, animará Silvio Santos a colocar, com competitividade, o seriado “Chaves” (com todo e merecido respeito pelo programa).

Da mesma forma como o Brasil perdeu Copas do Mundo com excesso de exposições (2006) e com excesso de proibições (2010), o debate político no país não evoluirá com uma legislação excessivamente proibitiva como a atualmente vigora, nem com liberações para abusos como ocorriam até os anos 90.

É preciso revê-la antes que chatice atual se perpetue.

Três meses (e é pouco tempo) de panfletos, cartazes e outdoors são suportáveis, punindo-se, é claro, os abusos.

A inanição e a indiferença de pessoas como Zé é que são insuportáveis e perigosas.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mudança pela arquibancada

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 9 de agosto de 2010:

O desabafo tinha tudo para ser legítimo. Pais que estiveram no Limeirão no último dia 1º se espantaram com o cumprimento de uma portaria, que proibia a permanência de crianças menores de seis anos no local – o estádio há anos não tem lotação e assistir a uma partida de futebol com o filho no fim de semana, afinal, é boa diversão, diante de tanta falta de opções.

Porém, do outro lado, existe uma preocupação da Vara da Infância e Juventude em fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente, e evitar expô-los a situações de risco.

E hoje, no País inteiro, conseguiu-se tirar do campo de futebol o conceito que ele tinha de possuir por natureza: um ponto de encontro para o lazer e a diversão com os amigos e a família.

Tivesse ocorrido o contrário, uma briga de torcidas que provocasse o pisoteamento de uma criança, quem estaria como vidraça seria a Polícia Militar, Vara da Infância e Juventude e entidades que cuidam de crianças.

Daí que até mesmo o excesso de zelo torna-se tolerável para, pelo menos, dar o ponto de início à discussão.

E é dessa forma que é preciso encarar o episódio do Limeirão: ponto de partida para o diálogo. Tanto a presidência da Inter quanto alguns pais que ficaram revoltados com a situação erraram num ponto: desconhecer uma portaria que, teve sim, divulgação por parte desta Gazeta, no final de junho. E talvez tenha faltado à PM uma simples conversa prévia com a Inter para que a fiscalização fosse efetivada sem polêmica alguma.

Num primeiro momento, o rigor parece exagero. Mas uma demonstração firme de que há segurança, com argumentos baseados em evidências, pode até ajudar numa negociação que vise um acordo.

Infelizmente, o trabalhador que quer levar o filho para um evento esportivo hoje é punido por causa de marginais travestidos de torcedores que, nos últimos anos, associaram um estádio de futebol ao conceito de insegurança.

Uma mudança nessa visão só acontecerá com transformações radicais de administradores de estádios, clubes de futebol, dirigentes, torcedores e da própria sociedade como um todo. A longo prazo, portanto.

Até lá, a medida de impedir uma criança de assistir uma partida da Inter na última divisão do Paulisão continuará a soar como exagero, embora prudente.

Cabe a nós, torcedores, mostrarmos que conseguimos fazer do estádio um local em que crianças não estarão em situação de risco. A mudança começa por quem está na arquibancada.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O custo de todos os nossos medos

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 2 de agosto de 2010:

O livro que me caiu em mãos nos últimos dias coincidiu com a divulgação de uma cifra atordoante.

“Ordens do Executivo”, de Tom Clancy, parte de um ataque suicida de um piloto de avião que chocou-se contra o Capitólio, prédio do Congresso dos Estados Unidos, matando o presidente, congressistas e autoridades judiciárias, deixando o país à deriva e boquiaberto. O livro é de 1996, cinco anos antes do 11 de setembro.

Toda a paranoia norte-americana de insegurança, que ilustro com o enredo ficcional de Clancy, já fez a maior economia mundial, além de perder o controle operacional dos escritórios de informações estratégicas criados após o efeito Bin-Laden, gastar um trilhão de dólares (R$ 1,78 trilhão) em operações contra o terrorismo desde o ataque às Torres Gêmeas.

Foi o mesmo montante que a Europa aprovou em maio para salvar sua moeda e impedir uma onda de calotes.

Se você empilhasse um trilhão de reais em notas, atingiria a altura de 3,3 milhões de prédios de 100 andares cada; lado a lado, as notas dariam mais de 3,5 mil voltas na Terra.

É dinheiro à beça. Como é também a previsão de faturamento das empresas do setor de segurança privada no Brasil neste ano: R$ 15 bilhões.

O número de profissionais que atuam em segurança patrimonial no País ultrapassou o efetivo da PM – são 450 mil vigilantes contra 310 mil PMs nos 27 Estados, diferença de 45%. O mercado privado de segurança cresce em ritmo anual de cerca de 14%.

Se um prêmio de R$ 2 milhões da Mega-Sena já nos permite toda a sorte de imaginações quanto às possibilidades de gastá-lo em ações positivas, fazer o mesmo com toda a dinheirama investida para conter nossos medos, seja nos EUA ou no Brasil, parece surreal.

E faço a pergunta inevitável: o mundo, o País ou a sua cidade ficaram, depois disso, mais seguras, ou melhor, passam a impressão de mais segurança? Estatísticas e situações cotidianas não faltam para por um pingo de dúvida em nossas respostas.

Debater as políticas e, principalmente, onde e como estão sendo gastas as verbas destinadas à segurança pública, faz-se necessário com a aproximação das eleições de outubro.

Cabe ao eleitor procurar saber o que seu candidato pensa a respeito disso e suas propostas.

Cada real mal gasto nessa área implica em você investir outro real para garantir o que o primeiro deveria suprir.

E a conta aumenta desapercebidamente, assim como o apito do vigilante noturno na rua soa para que você não se esqueça de pagá-lo no final do mês, mesmo já tendo fechadura dupla na porta da frente, cerca elétrica, alarme, travas...