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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Chorar, e não ter vergonha...

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 21 de junho de 2010:

A Coreia do Norte foi, na última década, demonizada pelas potências mundiais por motivos, politicamente, justificáveis: tem um regime fechadíssimo, é considerada ditadura totalitarista, volta e meia desafia a comunidade internacional com um míssel aqui, outro ali, tem ambições atômicas e realimenta constantemente o desentendimento que a distancia do país-irmão do sul.

Paro por aí, porque este não é um texto para discutir se o ditador Kim Jong-Il é um maluco pronto a mandar pelos ares quem não segue sua cartilha.

Odiada pelas lideranças mundiais, foi a Coreia do Norte quem acolheu o responsável pelo momento mais emocionante desta que, até aqui, tem tudo para ser a mais fria (do ponto de vista climático ao futebolístico) de todas as Copas do Mundo.

O choro incontido, despido de vergonha, do atacante Jong Tae-Se durante o hino, antes da estreia de sua seleção na Copa contra a favorita equipe brasileira, mostrou ao mundo que, independentemente de pontos de vista e regimes políticos, o ser humano pode, por vias diversas, entre elas o esporte, como o futebol, demonstrar com absoluta liberdade o que o torna diferenciado entre as espécimes deste planeta: a capacidade de compreender a realidade à sua volta, reagir e transformá-la.

Ele tinha tudo para não estar ali, no gramado do Ellis Park.

Tae-Se nasceu no Japão, seus pais são da Coreia do Sul.

Antes de conseguir abrigo e obter naturalização na nação que defende na Copa, o atacante teve sua nacionalidade negada pelo país de seus pais.

Quando teve a capacidade de perceber que estava em campo para uma partida de Copa do Mundo, cantando o hino do país que lhe aceitou, Tae-Se reagiu.

E chorou, copiosamente, sem vergonha, sabe-se lá mais o quê lhe passou na cabeça, e transformou a Coreia do Norte, aos olhos do mundo, num país mais humano, onde palavras como ditadura e totalitarismo não tem relevância alguma.

Pouco importa se a Coreia do Norte contribuirá à história das Copas neste ano.

O escritor português José Saramago, morto na última sexta-feira, afirmou certa vez: “O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas”.

Para oferecer ao mundo uma nova maneira de ver seu país, a sua realidade, Tae-Se não precisou ganhar nem perder, pois tanto um quanto outro são passageiros. Bastou ser humano, e não sentir vergonha disso.

1 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns, Rafael. EStou escrevendo a duras penas, com fratura de clavícula, mas não me contive. Vc disse exatamente o que eu gostaria de expressar. A emoção do jogador coreano foi, para mim, ainda o melhor goal da Copa, a imagem mais bela. Parabéns, moço. Vc tem se revelado um jornalista sensível e atento. Um forte abraço.
Maria Rita Lemos