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segunda-feira, 29 de março de 2010

Procura-se uma vocação

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 29 de março de 2010:

Planejar uma política pública voltada para o turismo necessita, sim, de ousadia.

Ao lado da cultura, é um setor considerado por muitos governantes como um "patinho feio" da administração pública.

O titular da pasta sofre com baixos orçamentos, precisa implorar por uma "verbinha" a mais, apresentar projetos ouvindo todas as partes – convergentes e divergentes – e, o mais difícil, pô-los em prática.

O que mais me chama atenção em relação ao anúncio da Torre do Mirante feito pelo prefeito Sílvio Félix na semana passada, que custará R$ 15 milhões – previsão inicial é de um terço com verba municipal, o restante via convênios -, não é a discussão sobre o potencial turístico do projeto em si (que é plausível), nem se é uma prioridade diante de tantas carências básicas do município (que existem), mas sim a consolidação de que, anos após anos, Limeira cria projetos insuficientes para dotar-se de um roteiro que a coloque, de fato, no caminho dos visitantes.

Uma análise rápida pela administração Sílvio Félix revela como os projetos turísticos, anunciados sempre com efusividade, se sobrepõem; na maioria das vezes, um nasce enquanto o outro mal saiu do estágio embrionário.

A ideia de um roteiro turístico pelos túmulos de cemitérios foi enterrada pouco depois de surgir; as fazendas históricas dependem de esporádicas excursões montadas pela Prefeitura; a maria-fumaça entre a Estação Ferroviária e o bairro do Tatu emperra nos trilhos da burocracia dos convênios; o Museu da Fruta Brasileira foi "inventado" no meio de uma disputa judicial em que a Prefeitura se esforça em mostrar à Justiça que faz bom uso das terras do Horto; o turismo de negócios em torno do setor de joias ainda "engatinha", sob esforço de empresários que sonham ver a Avenida Costa e Silva uma espécie de shopping a céu aberto.

Limeira não foi brindada com formações geográficas que potencializem uma vocação turística natural, como Piracicaba e seu rio homônimo – pobre Ribeirão Tatu, alvo de piadas ao longo de décadas, cuja revitalização saiu por intervenção do Ministério Público.

Na falta disso, haveria boas razões para cultivar o aspecto histórico, berço da imigração européia de cunho particular, ou o turismo de negócios, com o setor de joias.

Antes mesmo de se fortalecer numa área turística, o município embrenha-se em outra, com igual euforia inicial para, em seguida, arrastar-se num moroso desenvolvimento.

Cabe, afinal, perguntar: qual é a vocação turística de Limeira?

Se ela existe e é sabida pelas nossas autoridades, não valeriam mais esses milhões da torre investidos no fortalecimento definitivo de um segmento turístico já identificado?

Duro será ter de subir 157 metros de altura para, só então, descobrir algo que sempre esteve ao alcance da vista de todos em solo firme.

segunda-feira, 22 de março de 2010

A fraqueza do Estado

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 22 de março de 2010:

O caso da mãe de Piracicaba que acorrentou o filho de 13 anos, viciado em crack, à cama na última semana, para não vê-lo morrer nas ruas, põe em evidência o estado falimentar do Poder Público quando se fala na oferta de tratamento a dependentes químicos, e o modo como encarar o problema das drogas, sendo saúde pública, com políticas públicas.

O poder destrutivo dos entorpecentes é conhecido há muito tempo, mas a estrutura oferecida pelo Poder Público, em todas as esferas, sempre esteve defasado.

Em Limeira, não é diferente. Somente no último dia 15 foi inaugurado o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), ainda assim porque Limeira foi contemplada por um plano emergencial – atrasado, por sinal – elaborado pelo governo federal e para atendimento a uma decisão judicial, motivada por ação civil pública impetrada pelo Ministério Público.

Já em 2008, a Promotoria havia identificado um quadro de descaso por parte do Município em relação a programas de tratamento para menores dependentes de álcool e drogas – não só por isso, Limeira se destaca negativamente na quantidade de adolescentes envolvidos com entorpecentes que acabam na Fundação Casa.

Para exemplificar ainda mais o drama, em uma semana, a Gazeta relatou casos de duas meninas, uma de 13 e outra de 14 anos, que entraram em coma alcoólico e, na última sexta-feira, relato que chegou até nossa redação informava que, nas imediações da escola Prada, vários menores ingeriam bebidas alcoólicas, ignorando até mesmo a presença próxima de uma viatura da Polícia Militar.

Sob gestão do Sistema Único de Saúde, é dever do Município executar políticas públicas na área de saúde. Mas a Prefeitura há muito esbarra em problemas estruturais não só no trato com dependentes químicos.

A política de baixos salários afasta da carreira pública médicos de todas as áreas de especialização – faz anos que a cidade, assim como muitas outras, não tem um geriatra na rede pública, um contrassenso diante da realidade do envelhecimento populacional pela qual todo o País passa.

“O Brasil está com falta de psiquiatras”, disse o secretário municipal da Saúde, Gerson Hansen Martins, na inauguração do Caps. Não deixa de ser uma verdade, mas se o Poder Público (União, Estado e Município) não incentivar e atrair esses profissionais, o desinteresse persistirá, projetos travarão e o crack, assim como outras drogas, continuará a levar mães indiciadas pela polícia pela drástica tentativa de impedir à força que o filho seja tragado pelas drogas, em meio ao vazio deixado pela atuação do Estado.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Por um pedaço de pão ou atenção

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 15 de março de 2010:

Por mais de uma semana ele ficou ali, estirado ao chão da praça, com o rosto coberto com um saco de lixo para se proteger do frio (ou para evitar olhar para todos?), um pedaço de pano para esquentar as pernas, as mãos para o alto, como se gritasse há tempos sem ouvir respostas, o corpo em estado avançado de inanição, enfraquecido, clamando por um alimento qualquer ou um copo de água que lhe devolvesse o sabor da esperança.

Há duas ou três semanas, na Rua Dr. Trajano, uma criança, menos de cinco anos de idade, chamava a atenção de quem passava pelo coração de Limeira. Ao lado da mãe, sentada na calçada, tinha os olhos desfalecidos, longínquos. Sorveu o frasco de água, oferecido por uma transeunte, como se fosse o último galho disponível para se segurar ante um penhasco. Permaneceu, ainda, trêmula de fome.

A pedestre dirigiu-se, então, a um estabelecimento, onde lhe disseram que já fora ofertado um lanche à mãe. Esta, questionada se tinha o que dar de comer à filha, tirou da bolsa o pão e só aí o entregou à criança – impossível dizer o que a levou a guardar para si o alimento, fica a critério de você, leitor, imaginar as razões (teria, por exemplo, outros filhos ou estaria usando a filha como isca para níqueis?). Diante dos transeuntes, a menina devorou o lanche com triste voracidade.

Estas são apenas duas histórias de nossas ruas, comuns não só em Limeira, mas em qualquer cidade.

No primeiro caso relatado, não se trata de um andarilho.

Ele tem residência em Limeira, já é conhecido dos órgãos públicos de assistência, cada dia está em um ponto do município.

É um problema crônico, alegou a Defesa Civil. Problemas familiares o levaram às ruas.

Conforme a Gazeta mostrou em janeiro, mesmo após operações realizadas pelo Poder Público no final do ano passado, pessoas jogadas às ruas continuam sendo vistas em vários pontos da cidade.

Nenhum comerciante ou morador gosta de abrir sua loja ou sua porta e encontrar alguém dormindo, estatelado ao chão, diante de seus pés.

Mas, por trás de toda mendicância, pedido de socorro, sensação de fome ou frio, há histórias verdadeiramente humanas, de falta de oportunidades, desestrutura familiar, problemas de saúde, alcoolismo, entre outros.

Antes do pedaço de pão, demonstrar atenção e colaborar, ainda que de forma tímida, mostra-se necessário não apenas aos órgãos públicos, mas de toda a sociedade.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Aproximação urgente e necessária

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 8 de março de 2010:

Duas reportagens publicadas pela Gazeta nos últimos 20 dias dão uma dimensão verídica do que a criminalidade em Limeira anda causando aos cidadãos contribuintes.

No Parque Nossa Senhora das Dores e no Jardim Anhangüera, a sensação predominante é de medo – neste último caso, há desejo por parte de moradores de terem armas próprias em suas casas para amenizar o sentimento de insegurança.

As ações criminosas, nos dois bairros, giram em torno dos entorpecentes – roubos e furtos se tornam rotineiros para possibilitar a aquisição de drogas.

A comercialização ilícita se dá ao ar livre, em frente às casas, e acaba gerando situação inadmissível: pessoas com medo de saírem de suas casas e que ficam com a impressão de viverem numa “prisão domiciliar”.

Ainda que as estatísticas oficiais apontem redução nas taxas de homicídio e aumento na quantidade de drogas apreendidas, os crimes de roubos e furtos estão se disseminando pelos bairros de Limeira, e o Parque Nossa Senhora das Dores e o Jardim Anhangüera se tornam somente dois exemplos disso.

Em 2009, os roubos em geral cresceram 28% em comparação ao ano anterior, e os furtos, 22%. São situações como essas que resultam nos latrocínios (roubos seguidos de morte), que diferem dos homicídios apenas na tipificação penal – na prática, se tratam da mesma coisa: assassinatos, pessoas de bem morrendo de forma violenta e banal.

Nos dois bairros citados, um fato, procedente ou não, é ponto comum para os moradores: o policiamento não é frequente.

Não adianta apenas a PM dizer que a população precisa colaborar denunciando às bases, via telefone, situações de anormalidade.

Óbvio que isso é importante e necessário, mas, na hora em que o cidadão se vê ameaçado sob uma faca ou uma arma de fogo, muitas vezes não há tempo e oportunidade para acionar auxílio policial. E avisar depois da ocorrência não tira, ainda, a sensação de medo e submissão vivenciada antes.

Para diminuir esses abismos entre a PM e a população, é preciso um trabalho conjunto de fortalecimento, incentivo e divulgação para o bom funcionamento dos conselhos de segurança de bairros (Consebs) em toda a cidade, que há algum tempo estão desativados – no ano passado, a base 4 da PM, que cuida da região do Jardim Vista Alegre, reativou o seu, mas, como se percebe com o caso do Jardim Anhangüera, há muito a ser feito para que haja algum resultado mínimo.

Cabe à PM reduzir essa distância com a população – sempre há aqueles que não se importam e dão com os ombros para essas iniciativas, mas o Estado precisa insistir nessa aproximação, cada vez mais urgente e necessária.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Tudo na mesma

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 1º de março de 2010:

O legislador brasileiro tem, entre variados defeitos, mania de “empurrar com a barriga” temas considerados complexos.

Pior que esse vício é um segundo que vem acompanhado do primeiro: tentar fazer agora o que podiam ter feito antes, sempre após um episódio de clamor popular.

Quando o adolescente conhecido como “Champinha” foi detido em novembro de 2003 sob acusação de ter idealizado o estupro e a morte da jovem Liana Fridenbach, então com 16 anos, e ajudado a matar o namorado dela, Felipe Caffé, 19, a onda de indignação injetou falso alarde no movimento que pedia a redução da maioridade penal.

Nada mudou. Seis anos depois, o Brasil volta a fazer as mesmas perguntas e se indignar ao ver o adolescente que participou da morte brutal do menino João Hélio, arrastado impiedosamente por sete quilômetros preso pelo cinto de segurança do carro roubado de sua mãe, ganhar proteção do Estado, decisão revogada após novo clamor popular.

Em 1995, quando torcedores de Palmeiras e São Paulo promoveram uma batalha campal no Pacaembu, televisionada para todo o País, que culminou na morte de um torcedor, pensou-se que havíamos chegado a um ponto-limite e que era preciso extinguir as torcidas organizadas.

Mas anos se passaram, esse tipo de torcedor continuou nos estádios, é financiado, muitas vezes, pelo próprio clube e recebe bênçãos até de intelectuais – lembremos do episódio do economista, respeitado professor da Unicamp, conselheiro de Lula e atual presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, dizendo “vamos matar os bambis” numa festa da Mancha Verde, torcida organizada do Palmeiras.

Mais lamentável que a constatação de que um conterrâneo foi a vítima mais recente dessa guerra absurda de torcidas – e que poderia ser um parente ou amigo de todos nós -, é ver que novamente, após o clamor popular, projetos engavetados há tempos nas mesas de políticos voltam às mesas, como o que pune os torcedores – e a torcida organizada – violentos.

Não nos enganemos. Daqui a três anos, o acusado de matar João Hélio estará solto, o debate sobre a maioridade penal estará na mesmice de sempre, os confrontos de torcidas continuarão, bem como a indisposição dos parlamentares de debater e aprovar projetos polêmicos.

“Empurrar com a barriga” é tão fácil e lamentável quanto agir após o fato consumado. E nisso nossos congressistas são hábeis!