Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 31 de maio de 2010:
Como fazia todos os anos, ele acordou naquela manhã de julho com a mesma expectativa de quem concederia a primeira entrevista, não importasse quem fosse o(a) jovem repórter da vez.
Com um sorriso, mirou as fotografias dos quadros da parede, e reteve nas mãos, demoradamente, o capacete companheiro, objeto que, em algum momento da conversa, ia parar na cabeça de seu interlocutor, como se quisesse transportar, ele e o novo amigo, para aquela tarde de inverno, num campo bandeirante de um distante 1932.
Meu entrevistado fez-me ver fotografias antigas, enquanto discorria a história que jamais se cansou de repetir.
Eu arriscava uma pergunta, vez ou outra, prontamente respondida.
Olhei o conteúdo de uma pasta que ele me abriu, dezenas de folhas, textos escritos por companheiros de profissão, cuidadosamente recortados para serem exibidos ao repórter do ano seguinte. “Guardo tudo”, disse.
Raciocinei que o meu texto seria o próximo a ser arquivado. Tenho certeza que foi.
Ao final, a pergunta inesperada, terna e simples:
“Vamos jogar tênis?”.
“Obrigado, seu Esmeraldo, tenho que voltar para a redação”, justifiquei.
Se lhe perguntassem porque a metralhadora inimiga falhou diante da patrulha na qual integrava, naquele dia de julho de 32, Esmeraldo não saberia responder, e talvez reconheceria isso com tal convicção que convenceria seu interlocutor de que isso foi necessário, e inexplicável ao mesmo tempo, para que pudesse, décadas mais tarde, relatar aos jovens o drama de ter visto a morte de perto numa guerra.
Para que pudesse, num fim de tarde de maio, ir até o balcão da Gazeta, e relatar que, mesmo sem um companheiro para jogar tênis, o esporte preferido, fez caminhada por 15 minutos.
Quase centenário, se orgulhava de ter feito sua parte no “Dia D”, não a data de desembarque das tropas aliadas na Normandia em 1944, nem a data decisiva da Revolução Constitucionalista, mas o Dia do Desafio, cujo objetivo é lembrar a todos que precisamos ter uma vida saudável, como ele tinha.
Esmeraldo Figueira Filho encerrou, no último dia 22, aos 97 anos, sua participação na batalha da qual, na memória, nunca saiu desde que se alistou.
Ele se mostrava feliz por ter ficado do lado vitorioso da Revolução de 32, mas sabia que, numa guerra, ser vencedor ou vencido faz parte de um cenário que relativiza o resultado.
No final, todos perdem, mas a diferença é o que cada um fará com o que sobrou dos restos e das marcas das batalhas que enfrentou.
Ele viveu para cima, como ia a bolinha que lançava ao ar para depois acertá-la com a raquete.
Oh, vontade doida de voltar no tempo e aceitar aquele convite!