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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A cultura imposta

Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 21 de dezembro de 2009:

Enquanto o Senado aprovou na semana passada a criação do Vale-Cultura, o prefeito Sílvio Félix enviou à Câmara Municipal projeto de lei que cria o “Cidade da Leitura”, uma iniciativa que pretende estimular ações educativas-culturais. Objetivo dos dois fundamenta-se em ampliar o acesso do trabalhador de baixa renda a produtos culturais.

O projeto da Prefeitura tem um item que chama atenção. O inciso 5 do artigo 3.º prevê a “colocação de livro, pelo menos uma vez ao ano, em cestas básicas distribuídas às famílias em situação de vulnerabilidade econômica, devidamente inscritas no Centro de Promoção Social Municipal”.

No Vale-Cultura, a empresa que aderir ao programa do governo federal – não é obrigatório, mas será oferecida renúncia fiscal – dará benefício de R$ 50 para o trabalhador gastar exclusivamente com cinema, teatro, shows, livros, CDs, DVDs, entre outros. A medida será aplicada aos trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos.

Numa sociedade em que produtos culturais sempre foram vistos como dispensáveis, os dois projetos têm sua importância em pelo menos tentar dar maior acessibilidade à população a esses materiais. Mas ajudam a eternizar uma situação que não “cola” quando se trata de produtos culturais: a imposição.

Fazer chegar um livro a uma casa ou dar dinheiro para que se gaste em tal produto não são, por si só, estímulos à popularização de produtos culturais. Tanto que o governo federal admite que o cartão do Vale-Cultura pode ser usado para outras despesas, o que causaria um desvirtuamento total da proposta.

A exigência de leituras em escolas sempre gerou mais desconforto do que compreensão da importância do ato. Incentivos sempre devem ser dados, mas focados em despertar a iniciativa das pessoas a dar o primeiro passo.

A insatisfação de muitos no hábito de leitura geralmente se forma quando lhe é imposta uma situação. Escolas e vestibulares insistem em exigir obras complexas, como as de Machado de Assis, que, são, para os iniciantes, verdadeiros martírios exatamente devido à complexidade - não que isso seja algo que a desmereça, pelo contrário.

Os projetos de Félix e do governo federal são bons, mas, melhor que entregar um livro ou dar dinheiro para cinema, é incentivar o trabalhador a procurar produtos culturais por iniciativa própria, o que demanda também políticas públicas específicas, principalmente na área de educação.

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