Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 15 de fevereiro de 2010:
Todo mundo tem uma história de carnaval. A que vou relatar é um pouco ao avesso – admito não ser muito fã das marchinhas carnavalescas, pertenço a outras tribos musicais. Mas, como todo adolescente, participei de algumas matinês.
Numa delas, há mais de dez anos, decidi, ao lado de um colega, deixar o salão do Nosso Clube e atravessar o Centro, a pé, até a casa de outro amigo, para que este também fosse juntar-se a nós no evento.
Era terça-feira de carnaval, tarde incomum. Durante o trajeto que fizemos, a cidade mostrava-se inerte, sem alma, vazia como nunca vi. Era possível contar nos dedos da mão as pessoas e os carros com quem trombamos.
Em particular, achava um absurdo, o Centro, plena terça-feira, tal qual um cemitério – e o vento forte, quase uivante, anunciando uma tempestade, reforçava ainda mais o quadro depressivo para quem se aventurou a sair às ruas naquele dia.
Nem mesmo o dia em que o PCC trancafiou-nos em casa, ou de jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo, eventos que, devido a profissão, cobri de perto, deixaram as ruas vazias como aquela tarde de fevereiro. Mas era carnaval, justificavam-me, e isso explicava tudo e a todos.
Não a mim.
Anos depois, naquela típica vontade de funcionário que quer demonstrar disposição e está em fase de “mostrar serviço” no emprego, perguntava com incredulidade ante a notícia de que haveria paralisação na produção da fábrica: “Mas vai parar tudo?”. Sim, era carnaval, e isso explicava tudo.
Ao longo dos anos, descobri - e entendi - que não adianta lutar contra o carnaval. É curioso ver como essa data nem é feriado oficialmente em nosso calendário. No entanto, as empresas, escolas, instituições, o País para, como uma interrupção previamente programada para acontecer, irreversível.
Há exceções, é claro, mas é carnaval, e isso explica tudo. Feriados estaduais e municipais são questionados até na Justiça, sob alegação de que prejudicam a economia e o desenvolvimento. O carnaval para dois, três dias, em algumas regiões dura a semana toda, e ninguém pergunta se o PIB local ou do País está sendo afetado.
Nestes dias, o brasileiro tem um compromisso inadiável com a interrupção. Seja para cair na folia, brincar nas ruas ou no salão, passear até a praia, refugiar-se no campo, participar de um retiro religioso, refletir, fazer churrasco com a família, assistir um filme ou ler um livro que há muito está na estante, esgotar as cervejas do isopor com os amigos.
O brasileiro tira esses dias para reivindicar o direito ao lazer. É carnaval, e isso explica, queiramos ou não, a sensação de que é tempo e há espaço para todos se divertirem, cada um a sua maneira.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
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